06 junho 2006

5/6/2006

Sou advogado de uma senhora teimosa, que é ex-trabalhadora de uma grande empresa, em tempos declarada falida.
A senhora em causa é credora da falida e membro da comissão de credores da dita.
Um dos últimos liquidatários judiciais, em vez de proceder à venda dos bens, como manda a lei, resolveu permitir que a fábrica continuasse a funcionar, a benefício de terceiros, causando um prejuizo incrível à massa, nomeadamente por via do desgaste dos equipamentos, de vultosas dívidas à segurança social e ao fisco e do desaparecimento de máquinas de valor elevado.
Aconselhei a minha cliente a apresentar queixa, pelo crime de infidelidada, previsto no artº 224º do Código Penal.
Apesar de serem inúmeros e esclarecedores os documentos, o bondoso liquidatário não foi pronunciado.
Recorremos... E agora veio o Tribunal da Relação de Lisboa dizer que ela não em legitimidade para se constituir assistente.
Entendi pedir ao Tribunal que aclarasse a decisão.


Exmºs Senhores Desembargadores:

FULANA recorrente nos autos à margem identificados, considerando obscura a douta decisão agora notificada, vem requerer a sua aclaração, o que faz nos termos seguintes:
1. A recorrente é credora e membro da comissão de credores da falida XXX;
2. Tem um crédito - reclamado e reconhecido – que há-de ser pago pelo produto da liquidação da massa falida;
3. Como está provado documentalmente, o arguido delapidou, literalmente, boa parte do património da massa falida, favorecendo objectivamente os interesses de um terceira empresa e reduzindo, por tal via, o património que é garantia das obrigações da falida em centenas de milhar de euros;
4. Consideram Vªs Exªs que o interesse ofendido é da própria massa falida e não da recorrente e que, por isso, não pode ser ela admitida a intervir como assistente.
5. O mesmo é dizer – e Vªs Exªs seguramente que não quiseram dizer isso – que um liquidatário judicial pode delapidar o património da massa falida a favor de quem bem entender, sem que alguém o possa censurar ou responsabilizar.
6. Ora, a massa falida é um património de afectação especial, vinculado exclusivamente ao pagamento dos credores da falida, como resulta dos artºs 147º e 148º do CPEREF.
7. Compete ao liquidatário judicial, nos termos do artº 134º do mesmo Código, «o encargo de preparar o pagamento das dívidas do falido, à custa do produto da alienação, eue lhe incumbe promover, dos bens que integram o património daquele».
8. Nos termos do artº 140º do mesmo Código, compete à comissão «fiscalizar a actividade do liquidatário».
9. Entende este Venerando Tribunal que a recorrente, como membro da Comissão, não tem o direito de se constituir assistente para apresentar queixa relativamente a actos que integram a prática de um crime de infidelidade, previsto no artº 224º do CP.
10. Entendendo, também, que, mesmo como credora não tem tal legitimidade.
11. Daí parece resultar que nenhum membro da comissão de credores enquanto tal e nenhum credor enquanto tal, apesar de prejudicado pela delapidação dos bens da massa falida por parte do liquidatário judicial, tem o direito de apresentar queixa contra o liquidatário.
12. E, numa outra vertente, que qualquer liquidatário judicial pode, com prejuízo dos credores delapidar a favor de terceiros os bens da massa falida, sem que os membros da comissão de credores enquanto tal ou qualquer credor possam constituir-se assistentes para apresentar queixa criminal contra ele, por tais factos.
13. É isso que se lê no douto acórdão recorrido.

Requer a Vªs Exªs que, porque tal entendimento parece ser contraditório com o que se retira da lei, clarifiquem o douto acórdão, assumindo ou denegando essa leitura e esse sentido.
Vamos aguardar o que vem daí...

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