12 fevereiro 2008

A propósito da Portaria nº 114/2008

Fico arrepiado, mal ouço o anúncio de «mexidas» nas regras relativas ao uso de meios informáticos no âmbito do Ministério da Justiça.
Estes «tipos» são completamente loucos e irresponsáveis. E nós, que é suposto sermos uma classe culta, calamo-nos ou não dizemos o que é necessário dizer.
Foi assim que se destruíram todas as razoabilidades em áreas em que, como antes se ensinava nas Faculdades de Direito, era importante e decisiva a vontade das partes.
Os contratos de sociedade foram, pura e simplesmente, eliminados no quadro da sociedades comerciais constituídas «na hora» e «on-line». Ou não? Algum colega terá a coragem de contestar uma acção em que de discuta a questão de saber se os sócios declararam ser de sua vontade o teor do Pacto X, quando esse pacto foi pré-elaborado e imposto como (apenas) uma das herméticas opções admitidas pelo sistema?Não estou a dizer que não foi positiva a implementação de um sistema que permite constituir sociedades «na hora» e «on-line». Bem pelo contrário… O modelo é de uma extrema utilidade para aquelas situações em que há urgência em furtar bens à penhora ou em que é importante proceder a «reestruturações» de patrimónios.
Pena é que o sistema tenha sido construído só para a maldade… E que não se tenha deixado aberta uma porta que permitisse o desenvolvimento de um trabalho sério, na constituição de sociedades cujos estatutos correspondessem inteiramente à vontade das partes, que não é, necessariamente, a vontade do Estado ou dos funcionários ou consultores do Ministério da Justiça que reduziram toda a vida ao reduzido numero de modelos que colocaram no «sistema».
Temos que viver com isso (criado com o alto patrocínio da nossa Ordem) e temos que ficar envergonhados por termos perseguido por procuradoria ilícita os barbeiros que, copiando o Diário da República, ajudavam os clientes a constituir sociedades comerciais em passado recente. Provavelmente esses barbeiros tinham mais experiência e sabedoria que os funcionários das lojas, que não são juristas nem dada que se pareça.
Bem vistas as coisas parece-me que o Governo tem razão quando abusa do que julgávamos, em tempo, serem princípios elementares.
A história veio demonstrar que as questões de família se resolvem com mais facilidade afastando os advogados das mesmas. Eles só criam problemas; e colocam problemas que não passam pela cabeça de pessoas normais que, como está demonstrado, as resolvem de forma absolutamente pacífica e sem quaisquer dúvidas com os funcionários das repartições de registo, que agora até podem dar conselhos.
A história veio demonstrar que é perfeitamente possível constituir sociedades comerciais de sucesso sem que os sócios saibam sequer o sentido dos pactos que subscrevem, não tendo sequer essa necessidade, porque são pactos previamente aprovados pelo Estado.
A história demonstrará, a muito breve prazo, que as partilhas se poderão fazer e ser farão de forma mais simples e expedita, logo a quente, em cima da morte, desde que se afastem os advogados e a sua perniciosa imaginação critica do quadro dos que têm que tratar dessa problemática.
Afinal, bem vista as coisas, um computador com um conjunto de FAQ’s poderá ser mais perfeito do que um advogado e seguramente mais justo do que um juiz. Essa inteligência que suporta os gongorismos que marcam a maioria dos acórdãos é coisa nociva, a que importa por termo.
Eu gostava de saber quem foram os patetas que inventaram boa parte destas coisas e quanto ganharam por isso… Sei que isso é quase impossível; mas apesar disso não se me esvai a esperança de os ver presos, numa manhã libertadora, marcada por notícias higiénicas.
É que tudo isto a que vimos assistindo cheira a fraudulento.
Esta última portaria é de quem não tem o mínimo sentido do bom-senso… E é chocante, vinda num momento em que tudo estava a correr bem, bastando um bocadinho de boa vontade para que assim continuasse.
Temos um sistema que nos permite provar que a peça X foi enviada no dia Y às tantas horas. O que a nova portaria pretende é, pura e simplesmente, acabar com isso e conduzir-nos para o abismo em que já estamos nos tribunais administrativos, onde o sistema, pura e simplesmente, não funciona. Ainda ontem, consegui introduzir uma p.i.; mas já não consegui adicionar os documentos…
E essa coisa do limite do 3Mb… é um atentado à inteligência de qualquer cidadão, neste tempo sem limites.
É urgente questionar a imbecilidade que marca este tipo de reformas. E é indispensável ver quem ganha com isto e investigar os negócios que se fazem em torno das «informáticas» na nossa área profissional.
Talvez o nosso bastonário possa deixar as questões genéricas e baixar à terra na nossa própria área de actuação.
O que está a acontecer é uma vergonha… E mais não digo…



PS – Por acaso os colegas já se aperceberam do que está a acontecer na área do registo civil com um sistema informático que pura e simplesmente não funciona?

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