05 março 2008

Denunciada falsificação de diploma aprovado em conselho de ministros

A notícia figura no Lex Turistica Nova.
Segundo esta folha, um diploma aprovado em conselho de ministros chegou a Belém com outra versão...
Mentira ou mero sinal dos tempos?:
«Depois da denúncia de Miguel Sousinha, Presidente da Associação Nacional das Regiões de Turismo, da qual demos a devida conta, a jornalista Patrícia Sanchez, no Diário de Notícias de hoje, relata que "A lei-quadro das regiões de turismo, aprovada em Dezembro pelo Conselho de Ministros, não foi a mesma que chegou ao Palácio de Belém para promulgação pelo Presidente da República, embora esteja assinada pelo primeiro-ministro.
A alteração produzida na lei, já depois do aval do Governo, foi feita durante o tempo em que o decreto esteve na Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, tutelada por Jorge Lacão.
A redacção final que chegou ao Palácio de Belém retirou autonomia aos cinco Pólos de Desenvolvimento Turístico, considerando-os parte integrante das novas cinco regiões de turismo, coincidentes com as NUTS II (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Esta versão é, de resto, coincidente com a proposta original do Secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade, a qual não gerou consenso entre os membros do Governo."»

Mais duas pérolas

Sobre o mesmo assunto, pergunta o meu distinto Colega Hugo Daniel Oliveira:
Caro Colega,

Diz o Colega que são os advogados a perseguir, cidadãos instruindo processos
que visam a sua condenação

Então e os Advogados/juristas de qualquer entidade pública?


Meu comentário:
Os instrutores de processos de entidades públicas são agentes administrativos... não são advogados. Nada tem a ver a bota com a perdigota.
Tenho uma amiga que é simultaneamente prostituta e arquitecta. De vez em quando, porque isto também está mau na construção civil, põe um anúncio nos jornais em que oferece os serviços de «Jovem arquitecta, chamosa e elegante... 150 rosas...?»
Para mim é mais ou menos a mesma coisa... Ela também é arquitecta. Mas ali no anúncio, o que é que vem ao caso?

Miguel Reis



Comentário de um Colega

Caro Colega,

Cá estou eu a fazer o papel de advogado do diabo (não, não me refiro ao Dr. Marinho Pinto).

Diz o Colega, e perdoe-me o atrevimento, mal que são os advogados a perseguir, cidadãos instruindo processos que visam a sua condenação

O que me diz, por exemplo, dos muitos Colegas que trabalham nas Câmaras Municipais, nos departamentos de contencioso, como instrutores em diversos processos de contra-ordenação que visam a condenação do munícipe no pagamento de taxas, consumos de água, …? Também são funções contrárias à sua profissão?

A iniciativa do Bastonário não poderá ser encarada como uma forma de publicamente permitir a todos os Colegas, em condições de igualdade (e não por ser amigo, sobrinho, afilhado do amigo do director do assessor …), patrocinar a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, patrocínio esse que em condições normais estaria vedado ao “advogado comum”?

E qual é o problema do cliente ser a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária? Existirá alguma incompatibilidade / imoralidade em defender os legítimos interesses desse organismo / cliente em detrimento dos muitos cidadãos que cometeram, certamente por distracção (ou melhor dizendo, são todos inocentes), as mais diversas barbaridades ao volante de um veículo?

Será que estarei errado ao afirmar que se tal protocolo não fosse alcançado veríamos uma qualquer distinta sociedade de advogados a ganhar uma avença, por não sei quantos euros, sujeita aos habituais critérios de escolha? Seria esta a situação aceitável?

Não sei se os 1.000,00 a 1.500,00 euros de avença mensais constituem uma forma de prostituição encapotada. Parece-me que tal quantia será minimamente adequada quanto ao trabalho a prestar pelos Colegas que venham a ser escolhidos, não pondo em causa a dignidade dos que vierem a prestar tais serviços.

Também não me repugna que a Ordem dos Advogados estabeleça protocolos com institutos públicos e outros organismos permitindo que todos os Colegas, sem excepções, exerçam a advocacia.

Por último, e certamente o menos importante, parece-me que alguns advogados da capital e de algumas distintas sociedades de advogados não estarão muito contentes com a tentativa da Ordem em tentar fazer com que o Governo aplique novos princípios orientadores na contratação de profissionais forenses para prestarem serviços ao Estado. Será que estarei errado?

Os meus respeitosos cumprimentos,
Juvenal Viana
Respondi de imediato, de forma sumária:
Estimado Dr. Juvenal Viana:

O que digo dos colegas que trabalham nas Câmaras Municipais como instrutores de processos?
Digo que devem suspender as suas inscrições na Ordem, porque entendo que tais funções, de natureza administrativa, lhes retiram a independência que é própria da advocacia. São muito menos independentes do que os contínuos, os simples escriturários e os demais funcionários administrativos, que se formam com sacrifício à noite e que ficam impedidos até de fazer o estágio.
Mas se não se entende assim, tudo bem… Ao menos que haja transparência e que se saiba quem é quem…
Não sugiro que se coloque um rótulo na testa de cada advogado que trabalha para o Estado, na mesma lógica dos rótulos dos bens de consumo…
Mas acho que se justifica que haja um registo público de interesses e que se saiba quem são os advogados que trabalham para o Estado, autarquias e outras entidades públicas, bem como para as empresas cotadas e os bancos.
Esse registo deveria estar disponível na Internet, para que quem procura um advogado possa avaliar previamente dos eventuais conflitos de interesses que o relacionamento profissional com entidades poderosas implica.
Parece que o Colega sugere que a Ordem funcione como uma espécie de agência de empregos e avenças. Respeito a sua opinião.
Digo-lhe apenas que falo com a autoridade de quem não aceita trabalhar para o Estado, para autarquias ou para entidades públicas, pela simples razão de que a falta de transparência na contratação tornou suspeitos esses relacionamentos.
Não me consta que a Ordem defenda o concurso público como formato ideal para a contratação de serviços jurídicos… Mais me parece que se prepara para substituir os tradicionais cambões por um novo cambão: o cambão da Ordem.
Por isso entendo que só temos a ganhar afastando-nos disso tudo: não trabalhamos nem para o Estado nem par a Ordem.

Abraço

Miguel Reis
Sobre o mesmo assunto escreveu o Dr. Hugo Daniel de Oliveira:


«Discordo absolutamente.
É uma generalização abusiva que os advogados de empresa ou os
juristas/advogados/consultores de Entidades Públicas não sejam independentes e
que se limtem a fundamentar orientações superiores.
Acontece, mas não é regra.
E os Advogados, relativamente aos seus clientes. É-se independente apenas porque
que se é profissional liberal?
Não é preciso procurar muito para se ver peças processuais em que a Lei é
contorcida de formas inimagináveis para se adequar a exigências do cliente.»

Minha resposta:
«Estimado Colega:

Então porque é que não acabam com as incompatibilidades de vez, em vez de as usarem para bloquear o mercado e permitir a sociedade de cambões em que vivemos?
Se o Colega acha que os advogados que trabalham para as entidades públicas (porque por elas foram contratados, segundo lógicas obscuras, sempre assentes na amizade e no compadrio) são independentes, então não verá terá nenhuma objecção a que a sua relação com as entidades públicas seja pública, nomeadamente nos seguintes aspectos:
a) Funções
b) Que serviços presta
c) Como foi contratado
d) Quanto ganha anualmente.
Eu, pessoalmente, não tenho nada contra o facto de haver colegas que sejam instrutores de processos administrativos ou quejando, ou que prestem serviços a entidades públicas, ficando dependentes de pagamentos certos ou incertos.
Acho é que tenho o direito de afirmar a diferença. E só o posso fazer, neste mercado cada vez mais selvático em que vivemos, se houver esse registo de interesses.
O argumento «contra» foi sempre o de que o facto de se saber que fulano trabalhava para a câmara X ou para o ministério Y prejudicava a concorrência, pois que quem quisesse favores de tais entidades haveria de procurar esse advogado.
Pois que procure, que isso não me afecta em nada, porque não é o meu estilo de intervenção. E seria bom para mim que o mercado soubesse isso.
Não trabalhar para o Estado ou para entidades públicas é um valor acrescentado. Mas só o é se for obrigatório que os que estão vinculados ao Estado e a entidades públicas o declarem.

Cumprimentos

Miguel Reis»


04 março 2008

O suicídio de Marinho Pinto

Lê-se no sitio da RTP:

«Uma equipa de advogados vai encetar, dentro de duas semanas, a análise e instrução dos processos de contra-ordenações de trânsito em atraso, nos termos de um protocolo assinado esta segunda-feira entre a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a Ordem dos Advogados.»
Logo a seguir se explica:
«No quadro do protocolo, o trabalho de triagem e preparação dos autos de contra-ordenação em risco de prescrever vai estar a cargo de uma equipa de 20 a 60 advogados e advogados estagiários. O objectivo é acabar com o problema das contra-ordenações em atraso no espaço de três meses, como explicou o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, Paulo Marques, à margem da assinatura do acordo.
Cada um dos profissionais deverá tratar um mínimo de 30 processos por dia.
A triagem vai “permitir ter uma noção exacta do número de autos que estão em risco de prescrever”, explicou Paulo Marques, em declarações citadas pela Agência Lusa.
O responsável classificou, ainda, de “credível” a estimativa de 20 mil autos de contra-ordenação que correm o risco de prescrição.
Os juristas destacados no âmbito do protocolo vão auferir uma avença mensal que varia entre 1.000 e 1.500 euros.
Para o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, o protocolo agora firmado vem “valorizar a intervenção dos advogados” na defesa de valores “agredidos com práticas delituosas”.
E constitui um primeiro passo para resolver “um grave problema”. Assinalando o que considera ser um quadro de “verdadeira guerra civil” nas estradas do país, o bastonário sustentou que a ameaça de penas elevadas é, por si só, insuficiente para combater o problema.
“Grande parte das constantes violações do Código da Estrada decorre da existência de um regime sancionatório simbólico que ameaça com penas pesadas”, disse Marinho e Pinto.
“É necessário agilizar a máquina sancionatória e dar às vítimas um papel mais importante na acção judicial que não de meros auxiliares do Ministério Público”. O Ordem dos Advogados tratará, agora, de divulgar o protocolo. Os advogados interessados deverão efectuar as respectivas inscrições.
Na mesma linha de Marinho e Pinto, o ministro da Administração Interna considerou que “a certeza e a celeridade” da aplicação de sanções é mais importante do que a sua “gravidade”. Rui Pereira disse acreditar que dentro de um ano as questões de sinistralidade rodoviária poderão ser abordadas “sem processos atrasados e sem perigo de prescrição”.»
Numa conversa com um amigo comum, profetizei, há semanas que Marinho Pinto haveria de ser «comido», a breve prazo, pelas «elites» lisboetas.
Aí está o Fahrenheit 451 (Truffaut, 1936) da Ordem dos Advogados.
Naquele eram os bombeiros transformados em incendiários, com lança-chamas a destruir bibliotecas.
Aqui são os advogados a perseguir, cidadãos instruindo processos que visam a sua condenação.
Marinho e Pinto suicidou-se como bastonário dos advogados ao afirmar, com um moralismo imoral, que o protocolo agora firmado vem “valorizar a intervenção dos advogados” na defesa de valores “agredidos com práticas delituosas” e que o mesmo constitui um primeiro passo para resolver “um grave problema”.
O grave problema é que há muitos advogados que não têm trabalho e que se sujeitam a exercer funções que são contrárias às da sua profissão, por valores miseráveis e em condições que transformam a Ordem num mero cabide de emprego.
Debaixo da imagem de seriedade que se vê na notícia transcrita está uma outra mensagem, que é intolerável e que diz apenas isto: «advogados e advogadas sem trabalho - prostituam-se».
Nesse sentido, este protocolo é suicidário para Marinho Pinto, depois do excelente acordo da semana passada, em que conseguiu alterar condições inaceitáveis para o apoio judiciário.

Uma vergonha...

Advogados postos em «saldo» pela Ordem

A Ordem dos Advogados assinou um protocolo com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária nos termos do qual se compromete organizar um «reforço da assessoria jurídica da ANSR, mediante a disponibilização, para o efeito, dos advogados e advogados estagiários necessários ao acompanhamento da instrução de processos de contra-ordenações rodoviárias».
A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária é uma autoridade de polícia a quem compete, nomeadamente, acoimar os infractores das regras estradais. E do que se trata - deve dizer-se isso com toda a clareza - não é de produzir trabalho jurídico, para o qual seja necessários especiais conhecimentos de direito, mas de preparar «decisões», de forma mais ou menos automatizada, com vista à cobrança das coimas previstas para as respectivas autuações.
O que, na circunstância, vão fazer os advogados ou os advogados estagiários é um trabalho que poderia ser feito por qualquer pessoa e que, feito como vai ser por advogados, só retira dignidade à classe.
O protocolo prevê que cada advogado ou advogado estagiário:
a) Separe diariamente, por estado do processo, 1.000 processos fisicos, o que supõe mais de 16 horas de trabalho se, de forma ininterrupta, cada pessoa der uma atenção de 1 minuto a cada processo;
b) Que cada advogado prepare um mínimo de 30 propostas de decisão diária, o que suporia um mínimo de 15 horas de trabalho, se cada projecto demorasse 30 minutos ou 7h30 se cada projecto demorasse 15 minutos.
As tarefas referidas em a) são remuneradas à razão de 50 € por milheiro (ou seja 5 cêntimos por processo, que é o mesmo que dizer 50 cêntimos por dez processos ou 5 euros por cem processos).
As tarefas referidas em b) são remuneradas à razão de 1,67 € por cada proposta de decisão administrativa, projectando o valor de 50,00 € para as 30 propostas diárias.
Prevê ainda um protocolo que haverá um advogado coordenador por cada grupo de 15 advogados ou advogados estagiários, destinado a dar uma «garantia da sua qualidade técnica» o qual apenas autoriza a introdução no sistema informático das «decisões por si validadas».
Ganhará 1.500 € por mês e, feitas as contas terá que verificar diáriamente:
- 15.000 processos «separados»;
- 450 propostas de decisão.
Isto é absolutamente inqualificável a vários títulos:
1. Em primeiro lugar porque atinge no seu auge mais profundo a tão clássica quanto conturbada questão das incompatibilidades com o exercício da advocacia.
Se os advogados podem, com o alto patrocínio da própria Ordem, desenvolver tarefas próprias da actividade policial-administrativa, porque não hão-de os polícias, os militares, todos os funcionários públicos, os demais que se contém nas diversas alíneas do artº 77º do Estatuto da Ordem dos Advogados exercer a advocacia?
Ou será que alguém engole a treta de que a instrução de processos de contra-ordenação por violação de normas de polícia é actividadade própria da advocacia ou, sobretudo, que o método adoptado aproveita de algum modo, ainda que minimamente, os conhecimentos júrídicos dos agentes.
2. Em segundo lugar porque, mesmo que assim não fosse, o modelo económico não é sério nem honesto, como constata qualquer cidadão minimamente informado. Não é possivel a ninguém tratar, com um minimo de cuidado, da classificação de 1.000 processos por dia nem preparar 30 propostas de decisão por dia. E é ainda muito menos sério que alguém possa aceitar a supervisão diária da classificação de 15.000 processos ou apreciar 450 propostas de decisão.
3. Em terceiro lugar porque este protocolo, nos termos em que está formulado, atinge de forma violentíssima princípios estruturantes da advocacia, como são os da honestidade, probidade, da rectidão e da lealdade e expectativas que se instalaram na comunidade, como sejam a de que o advogado é um defensor e não um acusador ou alguém que se vende por um prato de lentilhas a um qualquer poder.
Este protocolo desprestigia a advocacia e os advogados.
O minimo que se exige é que os cidadãos saibam quem são os inscritos na Ordem dos Advogados que vão aceitar este trabalho, para que os possam marginalizar.
Quem pode, afinal, confiar a defesa dos seus interesses a alguém que aceite prestar serviços jurídicos nas aludidas condições?