05 novembro 2009

O caso Vara

Já não escrevo aqui há muito tempo, não porque a Justiça tenha mudado, mas porque repisar na sua falência não passaria e repisar.

Volto com o «caso Vara» porque me cheira que há qualquer coisa de muito estranho neste caso.

Antes de tudo, há, claramente, uma campanha de imprensa, que, com intenção ou não, já liquidou quem foi um dos homens de maior sucesso do Portugal o Século XXI.

Conheci Armando Vara, há uns anos, quando pertenci ao Partido Socialista.

Nunca privei com ele, guardando da pessoa a imagem de um homem pouco culto mas muito pragmático, determinado e ambicioso.

Segui-lhe, depois, a carreira. E ele é um dos exemplos reais de uma tese que venho maturando e que um da há-de dar um livro. Em política e nesta sociedade não é preciso ser competente nem sério para ter sucesso; é preciso, apenas, ser ousado e não ter grandes preconceitos.

Quem o tem perde os amigos, acaba isolado e fica a falar sozinho, como eu, que, sendo uma pessoa bem disposta, sou havido como pessoa de mau feitio.

Não gosto da palavra «corrupção» porque, nomeadamente no plano jurídico, ela importa um conteúdo tão difuso que choca a minha sensibilidade.

A corrupção é assim equadrada no Código Penal:


Artigo 372º. Corrupção passiva para acto ilícito..
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.

3 - A pena é especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.


Artigo 373º. Corrupção passiva para acto lícito.
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

2 - Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º e nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.


Artigo 374º. Corrupção activa.
1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º


Depois tem o artº 377º que diz assim:


Artigo 377º. Participação económica em negócio..
1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos.

2 - O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.

3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.


O artº 386º estabele quem é equipado a funcionário, nos termos seguintes:


1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.

2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados-membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.

d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.


Lidas as linhas e as entrelinhas, mesmo sem análise de minúcia, é forçosa a conclusão de que não há corrupção desde qe não haja funcionário ou equiparado no circuito.

A meu ver, a li foi meticulosamente preparada, de forma a evitar que os políticos possam alguma vez ser punidos, façam o que façam e obtenham os benefícios que obtiverem.

O conceitos são simultaneamente densos e difusos e qualquer refexão séria sobre eles conduz a uma multplicidade de saídas que torna praticamente impossivel a punição de qualquer desses quadro a que, genericamente, se apôs o rótulo.


Mal feito fora se os fazedores das leis, que tão cautelosos foram na defesa das suas reformas, criando para si regimes excecionais, não se precavessem da hipótese de parar na cadeia em razão de um qualquer desses desvios institucionalizados.


Uma coisa é a ideia que o comum dos cidadãos tem da «corrupção» e do «tráfico de influências».

Outra, completamente diferente, é a realidade.


Por isso mesmo defendo, há muito tempo, que tanto a corrupção como o tráfico de influências sejam descriminalizados e subsituidos por um regime legal que force a transparência de todos os comportamentos que sejam considerados eticamente censuráveis.



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