28 março 2010

O estado da Justiva visto pelo sindicado dos mps

Esta entrevista, publicada, feita pelo jornalista Nuno Miguel Maia e publicada  no Jornal de Notícias de 28 de Março de 2010, merece reprodução integral, por nos dar uma visão extremamente precisa e clara do que é a posição do Ministério Público, na atual cena da justiça portuguesa.
Aqui fica para reflexão atual e para memória futura.


«A cumprir hoje um ano à frente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), João Palma não vira a cara a polémicas. Critica o procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, por arquivar um processo contra o primeiro-ministro sem investigar. Atira-se contra membros do PS e PSD do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) por discutirem assuntos de pouca importância e dá a entender que Lopes da Mota não foi o único a pressionar no caso “Freeport”.



Das conclusões da última Assembleia Geral pode depreender-se que o primeiro-ministro deveria ter sido investigado por causa do caso Face Oculta?



A existência de indícios de crime avalia-se sempre no final da investigação e não no seu início. Não é prática os magistrados do Ministério Público arquivarem imediatamente notícias de crime; o normal é desenvolverem uma actividade investigatória e concluírem se há indícios suficientes ou não para remeter o caso para julgamento. Neste caso temos uma indicação de um responsável da Polícia Judiciária que é sufragada por um magistrado do MP e por um juiz de instrução criminal, de onde resulta a remessa de uma certidão para efeitos de investigação criminal. Face a estes elementos vindos a público, o que seria normal seria abrir uma investigação criminal.



Na sequência desta polémica, o PGR sentiu-se colocado em causa e pediu uma declaração de apoio ao CSMP. Parece-lhe que fez mal em dar apoio expresso ao PGR?



A declaração do CSMP é susceptível de várias interpretações e reconhece também a legitimidade e legalidade dos despachos dos colegas de Aveiro. Não se pode dizer que a deliberação ponha em causa os colegas de Aveiro. Tratou-se na pior das hipóteses de um empate. Concilia o inconciliável.



Mas o CSMP extravasou as suas competências ou não?



Por via de alguns, não todos, dos conselheiros indicados pela Assembleia da República – pelo PS e PSD, não distingo - e pelo Governo, o CSMP tem-se transformado ultimamente em palco de disputas políticas. Há um alerta no sentido de que não está a preocupar-se com algumas competências que lhe cabem e estará a preocupar-se com questões que escapam às suas competências.



Tem a ver com quê, concretamente?



O CSMP não discute o regulamento de inspecções; não discute as alterações ao estatuto do MP; não discute as questões dos movimentos dos magistrados e necessidade de informatização, entre outros assuntos... Mas dá-se ao luxo de levar um dia para discutir uma questão que – sem lhe retirar importância – não tem a importância de outras. Será eventualmente importante para outras perspectivas que não a perspectiva do interesse do MP...



O PGR tem condições para continuar no cargo?



Quem nomeia o PGR são o Presidente da República e o primeiro-ministro. São eles que têm de fazer a avaliação sobre a existência de condições ou falta delas para o exercício do cargo. E é, como se vê, uma enorme responsabilidade para Cavaco Silva e para Sócrates. Não seria legítimo sermos nós a fazê-lo, sem prejuízo de serem públicas e assumidas grandes divergências entre o SMMP e o PGR.



O problema tem a ver com as pessoas ou o modo de nomeação para o cargo?



Falando em abstracto, tem que ser reequacionado o actual sistema de nomeação do PGR. Até o actual PGR já o disse publicamente. Tem, também a ver com a coerência do sistema, uma vez que a própria lei de política criminal faz o PGR responder perante o Parlamento pela prossecução dos objectivos definidos na Assembleia da República. O que nós perguntamos é se não seria mais coerente que o PGR fosse nomeado pelo Presidente da República mas indicado pelo Parlamento. Mas não excluímos outras alternativas.



Como eleições?



Não é uma questão que nos preocupe muito, serem os pares a escolher o PGR.



Há quem diga que, sem o PGR, da forma que é nomeado, os magistrados do MP não têm legitimidade democrática...



A legitimidade democrática dos magistrados vem de trabalharmos em função de leis aprovadas por órgãos eleitos democraticamente. Por outro lado, o CSMP tem composição democrática, com elementos nomeados pela Assembleia da República e Governo. Mas a nomeação pelo PR, após indicação da AR aprovada por uma maioria especialmente abrangente, mais abrangente que a formada pelos partidos que alternadamente acedem ao poder, reforçaria a actual legitimidade democrática.



E o mesmo problema pode colocar-se em relação aos juízes?



Quem defende essas teorias defende que os juízes e magistrados do MP deveriam ser eleitos. Eu pergunto o que seria da credibilização da Justiça se houvesse voto popular na escolha dos magistrados. Daí adviria uma inevitável politização.



Ouvimos dizer desde a aprovação do novo estatuto do MP que está em perigo a autonomia. O que é temido, em termos concretos?



Quando, para o provimento de vários cargos na hierarquia do MP, se começam a fazer escolhas pessoais em detrimento dos concursos; quando, no âmbito das novas comarcas, se permite a movimentação de magistrados por razões de serviço, está a pôr-se em causa a liberdade de os magistrados do MP se determinarem de acordo com a sua consciência e de acordo com a lei. Abre-se a porta à possibilidade de tudo ser determinado pela hierarquia. É um perigo, que pode concretizar-se ou não, mas é incompatível com a natureza de magistrados dos elementos do MP.



A esta distância, valeu a pena denunciar a existência de pressões no caso Freeport?



O SMMP já vinha a falar de pressões quando veio a público o nome do dr. Lopes da Mota. A nossa estratégia, face ao aumento do nível das pressões de que vínhamos tendo conhecimento, foi dar conhecimento ao Presidente da República, ao qual pedimos uma audiência e relatámos os factos que tínhamos conhecimento...



Mas valeu a pena?



O certo é que houve inquérito e o CSMP determinou uma sanção disciplinar. Gostaríamos que estas situações não existissem. Mas, se existem, em nome da transparência democrática e do funcionamento do MP, é bom que sejam conhecidas e que os responsáveis sejam sancionados. Bom seria que fossem todos sancionados e não apenas os que protegem responsabilidades alheias… Somos contra a cultura do encobrimento, própria dos regimes totalitários.



Então aliviou as pressões?



Não vou dizer que acabaram, mas que aliviou, aliviou. O mais grave é a forma como determinadas pessoas da hierarquia do MP falam do assunto e desautorizam publicamente os titulares das investigações.



De que tipo?



É grave, é público e nem precisa de ser denunciado. Mas daí ninguém tirou, até ao momento, consequências...



Qual o balanço que faz das alterações do processo penal que estão em cima da mesa?



Louvamos a coragem do ministro da Justiça, tendo em vista eliminar os erros da reforma de 2007. Apesar de tudo, esta oportunidade deveria ser aproveitada para uma reforma mais ousada. Mesmo nos pontos que o Governo quer alterar. Por exemplo, se um dos pontos da reforma é o processo sumário, não percebemos que continuem a não se permitidos julgamentos sumários em tribunal colectivo. Permitiriam uma resposta muito eficiente do sistema em questões que têm a ver com a segurança na rua, como furtos qualificados e roubos. Permitiria um julgamento imediato em mais alguns casos de flagrante delito. Permitiria também a diminuição dos casos e dos tempos de prisão preventiva. O arguido teria a sua situação definida muito mais rapidamente. Por outro lado, nos crimes semi-públicos e particulares deveria passar a ser obrigatório o juiz reunir arguido e queixoso antes do julgamento para a possibilidade de uma conciliação. Evitavam-se incómodos e prejuízos para muita gente. A mediação passaria a fazer-se, também, no âmbito do próprio processo, na sede própria. São apenas 2 das várias propostas apresentadas pelo SMMP e que têm obtido um largo consenso.



Qual os aspectos mais positivo e negativo do primeiro ano como líder do sindicato?



Como ponto positivo, a grande identificação dos associados com a Direcção. Na sua esmagadora maioria revêem-se na acção do SMMP. Ponto negativo continua a ser a falta de eco e receptividade das nossas propostas por parte do PGR e do CSMP. Refiro-me a estatuto, inspecções, regras dos movimentos, procuradorias especializadas, recrutamento de representantes, ao próprio funcionamento da PGR... Mas não vamos desistir.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Bati com os costados no Tribunal só por não acreditar numa história de desaparecimento de um determinado equipamento ao dizer isto - não acredito no desaparecimento do objecto, tal e qual a forma como o dizem. Sou levado a Tribunal e acusado pelo MP de um crime por difamação agravada. Em Tribunal o MP deixa cair o crime e pede uma multa. O Tribunal aplica-me uma pena de multa super-pesada.