21 fevereiro 2010

E nós que somos escutados?


Muito se tem falado nos últimos tempos sobre as escutas telefónicas, mas não nada ainda escrito sobre os direitos e interesses das pessoas que são escutadas sem nunca terem conhecimento do facto.

Esse é um dos aspetos mais chocantes do sistema de escutas telefónicas.

Chamo-lhe, propositadamente, sistema porque me parece que foi para isso que evoluiu o que era um meio de prova a usar apenas em situações excecionais, agora transformado num meio comum.

A lei penal protege a vida privada, nomeadamente no plano das telecomunicações, estabelecendo o artº 194º do Código Penal o seguinte:

« 1 - Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.



2 - Na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento.



3 - Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.»

Os valores que subjazem a estas normas são completamente cilindrados pelas normas que, a benefício da investigação criminal permitem ao poder judiciário a interceção de comunicações telefónicas e a intersecção de correspondência.

O artº 187º e seguintes do Código de Processo Penal estabelece o seguinte:

«1 - A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;

d) De contrabando;

e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;

f) De ameaça com prática de crime ou de abuso e simulação de sinais de perigo; ou

g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.

2 - A autorização a que alude o número anterior pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efetivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:

a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;

b) Sequestro, rapto e tomada de reféns;

c) Contra a identidade cultural e integridade pessoal, previstos no título iii do livro ii do Código Penal e previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário;

d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo i do título v do livro ii do Código Penal;

e) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º, e 267.º, na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º, do Código Penal;

f) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

3 - Nos casos previstos no número anterior, a autorização é levada, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao conhecimento do juiz do processo, a quem cabe praticar os atos jurisdicionais subsequentes.

4 - A interceção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

a) Suspeito ou arguido;

b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou

c) Vítima de crime, mediante o respetivo consentimento, efetivoou presumido.

5 - É proibida a interceção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime.

6 - A interceção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respetivos requisitos de admissibilidade.

7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de interceção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.

8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respetivas interceções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.



Artigo 188. Formalidades das operações..

1 - O órgão de polícia criminal que efetuar a interceção e a gravação a que se refere o artigo anterior lavra o correspondente auto e elabora relatório no qual indica as passagens relevantes para a prova, descreve de modo sucinto o respetivo conteúdo e explica o seu alcance para a descoberta da verdade.

2 - O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação intercetada a fim de poder praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.

3 - O órgão de polícia criminal referido no n.º 1 leva ao conhecimento do Ministério Público, de 15 em 15 dias a partir do início da primeira interceção efetuada no processo, os correspondentes suportes técnicos, bem como os respetivos autos e relatórios.

4 - O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de quarenta e oito horas.

5 - Para se inteirar do conteúdo das conversações ou comunicações, o juiz é coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal e nomeia, se necessário, intérprete.

6 - Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo:

a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no n.º 4 do artigo anterior;

b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado; ou

c) Cuja divulgação possa afetar gravemente direitos, liberdades e garantias;

ficando todos os intervenientes vinculados ao dever de segredo relativamente às conversações de que tenham tomado conhecimento.

7 - Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência.

8 - A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar os suportes técnicos das conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo, bem como dos relatórios previstos no n.º 1, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura da instrução ou apresentar a contestação, respectivamente.

9 - Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que:

a) O Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação;

b) O arguido transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao requerimento de abertura da instrução ou à contestação; ou

c) O assistente transcrever a partir das cópias previstas no número anterior e juntar ao processo no prazo previsto para requerer a abertura da instrução, ainda que não a requeira ou não tenha legitimidade para o efeito.

10 - O tribunal pode proceder à audição das gravações para determinar a correção das transcrições já efetuadas ou a junção aos autos de novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

11 - As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os respetivos suportes técnicos até ao encerramento da audiência de julgamento.

12 - Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não forem transcritas para servirem como meio de prova são guardados em envelope lacrado, à ordem do tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo.

13 - Após o trânsito em julgado previsto no número anterior, os suportes técnicos que não forem destruídos são guardados em envelope lacrado, junto ao processo, e só podem ser utilizados em caso de interposição de recurso extraordinário



Artigo 189. Extensão..

1 - O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio eletrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à interceção das comunicações entre presentes.

2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.»


Pessoalmente não tenho nada contra as escutas telefónicas. Mas é óbvio que, como qualquer pessoa normal, uso o telefone o mínimo possível, não porque faça o que quer que seja de ilegal, mas porque parto do princípio de que toda a gente está sob escuta. Pura e simplesmente não falo o telefone o que não posso dizer em público, porque tenho a sensação de que, mesmo que fale para a minha mãe, há do outro lado um polícia a ouvir-nos.


Todos, ainda que por amostragem, somos vítimas porque perdemos a confiança na privacidade de um meio de comunicação onde fazíamos coisas tão privadas como falar das coisas das nossas famílias ou fazer declarações de amor. E isso porque os jornais nos dizem todos os dias que as escutas foram banalizadas e generalizadas de tal forma que com toda a probabilidade há outras pessoas que sabem das nossas vidas sem que nós saibamos que sabem.


Parece-me que o mínimo que o Estado deveria fazer, para reduzir o dano que nos causa, seria alterar a lei no sentido de nos facultar cópia de todas as conversas em que fomos ouvidos, com rigorosa identificação de quem ouviu tais conversas.

No que se refere ao resto está tudo errado.

Deveriam ser proibidas as transcrições porque, pura e simplesmente, elas deformam o sentido das mensagens, que são uma coisa ouvidas e outra, completamente diferente, reproduzidas num escrito.

E, sobretudo, deveria ser completamente proibida a truncagem das gravações, que se presta às maiores barbaridades e à maior manipulação.

11 fevereiro 2010

A descaraterização do Estado de Direito

A DESCARATERIZAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

A liberdade de imprensa é, a meu ver, um dos mais importantes esteios do Estado de Direito.

Nos estados modernos ela assenta, essencialmente, na liberdade de investigação jornalística e na liberdade de criação e expressão dos jornalistas que devem entender-se como liberdades instrumentais, de que é beneficiário o direito dos cidadãos à informação, garantido, no caso português, pela Constituição da República.

Há, naturalmente, limites à liberdade de criação e expressão dos jornalistas e esses limites situam-se nos princípios gerais do direito criminal, por um lado e nos deveres de rigor e objetividade da informação, a que os jornalistas estão obrigados para realizar aquele direito fundamental dos cidadãos, que é incompatível com a sonegação de informação.

Não deve entender-se que há sonegação de informação quando esta se refere a factos pessoais socialmente irrelevantes. E, por isso mesmo, na gestão dos seus direitos profissionais, estão os jornalistas obrigados a «parar» no justo limite do equilíbrio entre o interesse público da notícia e os direitos individuais das pessoas visadas.

O critério para essa reflexão tem que passar pela dicotomia entre o pacote dos elementos desnecessários para a melhoria do conhecimento público sobre determinada factologia e o pacote dos elementos relevantes para o seu esclarecimento.

Por isso mesmo, é pacífico, no plano da deontologia do jornalismo que o jornalista deve evitar a publicação de tudo o que se reduza ao mero sensacionalismo. Todavia, no mesmo plano, é inquestionável que, por maiores que sejam os riscos de ser incomodado, o jornalista deve publicar toda a informação a que tiver acesso e que seja socialmente relevante, sob pena se ter que se entender que ele viola a obrigação de não sonegação de informação.

Ouço na SIC-Notícias a informação de que um tribunal decretou o impedimento da publicação do jornal «Sol» porque o mesmo estaria para publicar novas notícias reproduzindo escutas judiciais, a pretexto de que estaria a violar o segredo de justiça.

Se isso for verdade é gravíssimo, porque estaremos perante um quadro de descaracterização do Estado de Direito, com um impacto brutal, muito mais grave do que o que ocorreu com o impedimento da publicação de um livro, como foi o de Gonçalo Amaral. Aí estava a apenas em causa o direito de expressão de opinião, todavia um direito fundamental, mas de muito menor relevância do que o direito a ser informado que, nas sociedades modernas passa pelo exercício do jornalismo, que dele é instrumental.

Dispunha o artº 371º do Código Penal, na versão anterior à introduzida pela Lei nº 29/2007, de 4 de Setembro :

«Quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei do processo.»

Com tal conteúdo, a lei penal preservava e garantia do livre exercício da liberdade de imprensa e o direito dos cidadãos à informação, colocando o fulcro do segredo de justiça no local em que deve estar, que é o da própria justiça.

Durante a vigência dessa versão do artº 371º do Código Penal registaram-se inúmeras violações do segredo de justiça, não se conhecendo nenhum caso socialmente relevante de condenação por tal crime. Entendia-se, como se entendeu durante anos, que a investigação judiciária e a investigação jornalística tinham natureza completamente diversa e que o respeito pelo segredo de justiça implicava medidas no âmbito exclusivo dos tribunais, não podendo os jornalistas ser sancionados pelo uso legítimo das informações que recolhessem junto das entidades judiciárias, entendidas como fontes, protegidas pelo sigilo profissional, que é um dos esteios da liberdade de imprensa.

A Lei nº 29/2007, de 4 de Setembro, veio transformar os jornalistas em bodes expiatórios da violação do segredo de justiça ao alterar o referido artº 371º, que passou a ter a seguinte formulação:

«Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.»

Não se refere o dispositivo à penalização direta dos que, tendo acesso ao processo, divulgaram o teor de atos processuais sujeitos a segredo de justiça, prevendo penalização para quem, independentemente disso, tomando conhecimento de tais factos o divulgar. A norma, pela sua formulação, parece querer visar, especialmente os jornalistas, desresponsabilizando, desde logo, de forma implícita os magistrados, os funcionários e os advogados que são, pela natureza das coisas, os principais suspeitos da violação direta do segredo de justiça.

Pode haver, mas não conheço nenhum caso em que um magistrado tenha sido investigado por violação de segredo de justiça num caso mediático, quando é certo que hoje se multiplicam os juízos políticos dos magistrados em processos judiciais.

Não conheço a decisão agora anunciada que terá ordenado a não publicação (o não acesso ao público) do jornal «Sol». Mas mesmo sem a ver, tenho-a para mim como uma coisa horrível.

Se ela se fundamentar nas perspetivas de publicação de escutas telefónicas que, embora protegidas pelo segredo de justiça, contenham factos socialmente relevantes em termos noticiosos, em conformidade com as boas regras do jornalismo, estaremos perante um caso de censura, constitucionalmente inadmissível e perante um interpretação inconstitucional do artº 371º do Código Penal ou a própria inconstitucionalidade do preceito.

É que a Constituição contém normas muito precisas que, à luz dos princípios da concordância prática e da proporcionalidade relevante, não podem deixar de ser prevalentes para a valorização do direito dos cidadãos à informação, constitucionalmente consagrado do artº 37º.

«Todos têm o direito (...) de ser informados, sem impedimentos nem discriminações» - diz o artº 37º, 1, garantindo o direito de todos os cidadãos à informação. Logo a seguir se vê, no artº 38º, que a realização desse direito passa pela garantia da liberdade de imprensa, estabelecendo o nº 2 que ela implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais.

Se analisarmos o Estatuto do Jornalista, constatamos que figura nele uma norma, que estabelece que o direito de acesso às fontes de informação não abrange o acesso a processos em segredo de justiça, não existindo em tal Estatuto nenhuma outra que proíba a divulgação de factos que sejam conhecidos pelo jornalista e que constem de processos em segredo de justiça.

Ao invés, o Estatuto impõe ao jornalista um conjunto de deveres muito objetivo, que entendemos ser instrumental do referido direito dos cidadãos à informação.

Relevamos do artº 14º o seguinte:

«1 - Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:

a) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;

b) Repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos; (...)

e) Procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem;

2 - São ainda deveres dos jornalistas:

a) Proteger a confidencialidade das fontes de informação na medida do exigível em cada situação, tendo em conta o disposto no artigo 11.º, excepto se os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas;

b) Proceder à rectificação das incorrecções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis;

c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência.»



Parece-me que o dever de informar com rigor e isenção é manifestamente incompatível com qualquer sonegação de informação, seja ela decorrente da vontade do próprio jornalista, seja ela determinada por qualquer órgão de soberania, nomeadamente pelos tribunais.

O direito dos cidadãos à informação não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura, por força do artº 37º,2 da Constituição.

É certo que a mesma Constituição estabelece, no quadro da «tutela jurisdicional efetiva» (artº 20º,3) que «a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.» Só que não pode deixar de interpretar-se o edifício constitucional no seu todo, dando-se prevalência a um preceito com manifesto prejuízo do que dispõe o outro.

A liberdade de imprensa é um dos elementos estruturantes do Estado de Direito democrático; o segredo de justiça não o é..

A violação do segredo de justiça pode desacreditar a própria justiça, que tem sido incapaz de o preservar; mas não descarateriza do Estado de Direito.

Aí está a diferença. É que a censura, no seu grau mais avançado que é o do impedimento da circulação de um jornal, descarateriza-o, desqualifica-o e torna-o irreconhecível

Porque causa danos irreparáveis.

Hoje já ninguém acredita na justiça.

Amanhã, sabendo-se que um tribunal decidiu impedir a publicação de um jornal que ainda não foi impresso, ninguém acreditará mais na comunicação social.

E a Democracia ficará irreconhecível...