20 novembro 2013

Um artigo que vai dar polémica

O PRINCÍPIO DO FIM DOS TRIBUNAIS

Publicado no jornal Luso-Americano, de Newark, em 6 de novembro de 2013

Portugal é o país mais antigo da Europa e o que tinha, até ao presente, o sistema de justiça mais estabilizado.
            As nossas comarcas assentavam num edifício construído desde a Idade Média, em redor dos municípios que, por sua vez, agrupavam as freguesias. Depois da destruição da malha das freguesias, o governo tem em curso uma operação de destruição da organização comarcã.
            Estas mudanças têm um enorme impacto nas comunidades da Diáspora portuguesa, especialmente no que se refere os problemas da propriedade de imóveis.
            A ligação dos emigrantes à freguesia – e a memória de que determinada pessoa, de determinada família, tinha emigrado – evitou inúmeros casos de apropriação de imóveis dos que tiveram que procurar a sorte noutros países.
            Com a extinção de muitas das freguesias, assimiladas pelas vizinhas, perdeu-se essa memória relativamente aos bens dos que pertenciam às freguesias extintas.
            As relações de vizinhança ultrapassam as fronteiras, mas sempre em conexão com um ponto de origem que, no caso português, é, marcadamente, a freguesia; não o distrito ou o concelho.
            Serve isto para dizer que os emigrantes das freguesias extintas ficaram órfãos, porque as mesmas desapareceram. Os seus bens em Portugal serão, a breve prazo, reclassificados e integrados nas novas freguesias. Mas ninguém os relacionará com eles.
            Justifica isso, como elementar ato de prudência, que cada um procure conferir, ao menos de seis em seis meses, os registos relativos aos seus imóveis em Portugal, porque os riscos efetivos de perda dos mesmos são reais.
            Depois da reforma relativa aos municípios e às freguesias, está em curso uma profundíssima reforma judicial.
            Todos os concelhos de Portugal tinham um tribunal de comarca. A reforma atualmente em curso reduziu as comarcas para 23, fazendo-as corresponder a uma comarca por distrito ou região autónoma.
            Apesar de se prever a manutenção de secções ao nível dos concelhos, é evidente que a reforma aponta para o fim de uma lógica de justiça de proximidade, o que, desde logo, aumentará a dificuldade de acesso aos tribunais e encarecerá os custos da justiça.
            Pense no tribunal do seu concelho e imagine que ele desapareceu, passando a haver apenas um tribunal na sede do distrito. Será essa a nova realidade, com impactos que são, naturalmente, variáveis de caso para caso.
            Este quadro aconselha a que se tomem medidas que evitem a necessidade de recorrer aos tribunais,  porque os litígios passarão a ser mais caros  e porque a  produção da prova também passará a ser mais difícil, especialmente nos distritos em que seja maior a distância por relação à sede do tribunal.

            É evidente que não é possível fazer previsões e extrair conclusões antes que toda a reforma esteja concluída. Mas, como mais vale prevenir do que remediar, aqui fica o meu conselho no sentido de evitar sempre que possível o recurso aos tribunais.

Já sei que há um indivíduo que se propõe desmentir a minha opinião. 
Como se pudesse desmentir o que é apenas uma opinião.
Vamos esperar pelos andamentos.
Não retiro uma palavra ao que escrevi.

04 novembro 2013

Depois da falência virá a liquidação...

Este blog começou em 2006, antes da crise que levou à falência o banco Lehman Brothers.
Havia por aí uns indícios de que as coisas não estavam a correr bem no judiciário, em Portugal, mas ninguém imaginaria que a destruição do sistema tivesse uma velocidade tão grande.
Portugal tinha - teve até há pouco tempo - um sistema de justiça e um aparelho judiciário sólidos e coerentes.
Passaram mais de 680 anos sobre a data em que D. Afonso IV criou a figura do "juiz de fora", para responder à necessidade de uma justiça pública isenta. Isso aconteceu no longínquo ano de 1327, que ficou na História da Justiça de Portugal como um marco notável.
Foi uma machadada brutal na arbitragem daquele tempo, desenvolvida, por regra por cortesãos mais dados à sensibilidade dos salões do que ao rigor dos cânones.
Os tribunais foram nascendo, um por cada comarca, marcando um poder independente, por relação ao do rei.
Com a I República foi consolidada a independência da Justiça, cuja organização passou a serf da competência exclusiva do Congresso, por força da Constituição de 1911, que consagrou os tribunais como órgãos de soberania.
A Constituição de 1933 reafirmou essa ideia e desenvolveu um vasto intenso programa de instalação de edifícios judiciários em todo o território.
Dando continuidade à lógica em que assentou o desenvolvimento do nosso sistema de justiça, as comarcas adaptaram as suas áreas, grosso modo, às áreas dos municípios.
Tenho a ideia de que todas elas têm pelo menos um edifício, por regra de excelente qualidade, projetado para sobreviver à fúria do tempo.
São, salvo erro, 233 comarcas, algumas delas com mais de um edifício judiciário.
A reforma introduzida pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, reduziu as comarcas a 23.
Foi agora anunciado o projeto de regulamentação dessa lei, que faz antever muito mais do que um simples agravamento do mau estado em que a justiça se encontra.
Apesar dos meios tecnológicos a que hoje pode recorrer não fácil mudar um sistema assente em 233 comarca para um outro em que estas são reduzidas a 23.
Só quem não conheça com um mínimo de consistência o modo de funcionamento dos tribunais pode arriscar uma reforma com estas caraterísticas.
Não se vislumbra a racionalidade de um conjunto de reformas que têm marcado a Justiça nos últimos tempos.
O governo de Passos Coelho propôs à Assembleia da República - e esta aprovou -   um novo Código de Processo Civil, que constitui um plágio deformador do texto anterior.
Nem o governo nem os parlamentares tiverem a vergonha e o pudor suficientes para, pelo menos, re-escreverem o novo código com as suas próprias palavras, limitando-se a plagiar a maioria do texto anterior.
Mas, apesar disso, conseguiram destruir as coisas mais importantes que a Justiça dever oferecer: rigor e segurança jurídica.
Ora, o que o novo Código de Processo Civil veio fazer, de forma absolutamente inútil, foi destruir esses valores, decapitando, de um momento para o outro, milhares de operadores que estavam preparados para resolver os problemas jurídicos que lhe lhes eram apresentados e que, de um momento para o outro, deixaram de o estar.
Sem adiantar qualquer juízo sobre a bondade ou a maldade da nova lei, que, à partida, peca por ser um desavergonhado plágio da anterior, parece-me evidente que, num período difícil como aquele que Portugal vive, não havia nenhuma necessidade de desestabilizar o sistema de justiça.
Por um lado, são elevadíssimos os custos operacionais da adaptação a uma nova lei, tanto por parte dos juízes como por parte dos advogados, com inevitáveis reflexos na produtividade do sistema judiciário.
De outro lado, como é próprio destas realidades, muito tempo demorará até que se encontre, de novo, a perfeição.
Mais grave me parece ser a reforma das leis da organização judiciária.
Tal reforma tem custos brutais para o país e para todos os operadores, custando milhões e milhões de horas a simples operação de redistribuição dos processos.
Pessoalmente, não acredito que a lógica do small is beautifull, que marcava a nova organização judiciária, cuja gestão era confiada a estruturas locais, possa ganhar alguma coisa com a concentração ao nível dos distritos.
Estou pessoalmente convencido de que o reduzidíssimo número de escândalos relacionados com desfalques de dinheiro nos tribunais se deve ao facto de tudo ser tão repartido e tão fiscalizado localmente, pelos mecanismos de proximidade, que nem o risco compensa nem os valores justificam que alguém tenha a tentação de pôr a mão na massa.
Os monstros que vão nascer desta nova reforma não serão, por natureza,  marcados pela mesma transparência nem pelo controlo de proximidade que a (ainda) atual organização judiciária permitiam.
Com a organização das comarcas a nível distrital, as palmadas passam a ter outra viabilidade.
Por detrás de tudo isto, paira ainda o fantasma do imobiliário, visto à luz da nova lógica das guerras.
A redução de mais 200 comarcas ao simples número de 23 viabilizará fantásticos negócios imobiliários.
Foram feitos testes ao longo de anos.
Pouca gente se chocou com a destruição de milhares de casas de cantoneiros ou de guardas florestais existentes no país. 
Pouca gente se chocou com o encerramento (que, aliás, continua) de milhares de escolas c eom a destruição de muitos dos seus edifícios.
Pouca gente se chocará se os edifícios dos tribunais foram abandonados para, no devido tempo, potenciarem negócios privados.
Temos uma experiência feita, com o abandono do Tribunal da Boa Hora, no centro de Lisboa, entretanto vendido à Câmara e depois recomprado, sem que seja claro o seu destino.