Passaram 60 anos sobre a ocupação militar de Goa, Damão e
Diu pelas tropas da União Indiana (hoje República da Índia), a que os indianos
chamam a “libertação de Goa, Damão e Diu”, que ocorreu entre 17 e 20 de
dezembro de 1961.
Continua a haver
milhares de Portugueses e de lusodescendentes,
originários daqueles territórios, que são discriminados pelas autoridades
portuguesas, no plano do reconhecimento
da nacionalidade ou do acessos à
nacionalidade portuguesa.
Os documentos dos Portugueses da Índia não são tratados de
forma normal e igualitária pelos funcionários da Conservatória dos Registos
Centrais, mas de forma discriminatória um departamento especial chamado de rcentrais.india.
Nunca os Portugueses
de Goa foram tão discriminados como o são atualmente, quando Portugal tem um
governo liderado por um cidadão de origem indiana (PIO) ou por um cidadão indiano
de fora da India (OCI), não se sabe bem.
É uma vergonha a discriminação
de que são vitimas os Portugueses de Goa, Damão e Diu e os seus descendentes,
graças às dificuldades que lhes são levantadas pelos funcionários dependentes
do Instituto dos Registos e do Notariado e do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Ao mesmo tempos que
criaram facilidades relativamente à naturalização de quem invocar a qualidade
de descendente de judeus sefarditas portugueses, perseguidos no fim do século
XVII, bastando-se que a demonstração de tal qualidade seja feita por simples
declaração de uma associação religiosa, sem nenhuma demonstração documental da
linha sucessória, as autoridades portuguesas criaram as maiores dificuldades à integração
no sistema de registo civil português dos assentos processados pelas autoridades
portuguesas do antigo Estado da Índia.
De outro lado criam
os maiores obstáculos à aceitação da prova documental constante de documentos
indianos, como se eles fossem menos fiáveis do que os emitidos pelos Estados
Unidos ou pelo Reino Unido.
A Conservatória dos
Registos Centrais tudo faz para impedir o acesso dos Portugueses da Índia ao
reconhecimento da sua qualidade de nacionais portugueses.
Esta dificuldade estende-se,
em muitos casos, aos Portugueses ou descendentes de portugueses originários de
outras ex-colónias.
As pessoas nascidas
nos territórios do antigo Estado da Índia (Goa, Damão e Diu, Dradrá e Nagar
Aveli) até ao dia 25 de abril de 1976 são nacionais portugueses, à luz da lei
portuguesa, pois que só nessa data, por força da Constituição da República Portuguesa,
esses territórios deixaram de ser portugueses.
Uma coisa é o reconhecimento
da soberania da República da Índia sobre os territórios de Goa, Damão e Diu, a
partir da data em que a Índia afirmou a sua soberania sobre os mesmos, ou seja
20 de dezembro de 1961, por força das disposições conjugadas da 12ª Emenda à Constituição Indiana (1962) e
do Tratado entre a República Portuguesa e a República da India, de 31/12/1974.
Outra é a questão da
qualificação dos referidos territórios como territórios portugueses, à luz das
leis constitucionais portuguesas.
A atribuição da
nacionalidade portuguesa originária aos cidadãos nascidos em território português,
antes da atual Lei da Nacionalidade foi regulada, essencialmente, pelo Código
Civil de 1867 e pela Lei nº 2098, de 29 de junho de 1959.
No que se refere ao
Estado da Índia é ainda relevante o disposto na Lei nº 2112, de 17 de fevereiro
de 1962, em cuja Base V se estabelece o seguinte: “A legislação portuguesa sobre nacionalidade continua a
aplicar-se com relação ao Estado da Índia, considerando-se irrelevantes
quaisquer disposições legais ou de outra natureza que sobre o mesmo assunto
tenham sido ou venham a ser adotadas enquanto se não restabelecer o exercício
da soberania portuguesa.”
Antigamente todos os documentos relativos a processos de integração de registos processados pelas autoridades
portuguesas do antigo Estado da Índia, bem como os documentos indianos, eram
legalizados pelos consulados de Portugal na Índia.
As coisas corriam melhor do que atualmente.
Tendo a Índia aderido à Convenção de Haia de 1961 (Convenção
Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros),
deixou de ser exigível a legalização dos documentos, sendo expectável que
Portugal respeitasse a República da Índia e a validade dos documentos emitidos
por este Estado soberano.
Porém, os funcionários portugueses comportam-se como se
fossem funcionários da antiga potência colonial e se a República da Índia fosse
uma mera colónia portuguesa.
Em quase todos os processos, os funcionários desse
departamento de discriminação (rcentrais.india) dão instruções ao funcionários
consulares para verificarem os documentos apostilhados pelas autoridades da
República da Índia, como se o cumprimento da referida Convenção estivesse em
causa, agindo os consulados portugueses no quadro de verdadeiras ações de
espionagem relativamente a atos jurídicos de um Estado soberano.
Alegam os responsáveis pelos sistema de registo civil
português que todas estas diligências se destinam a evitar falsificações de documentos,
o que é, de todo, insustentável.
Todas as falsificações de documentos que conheço, nesta área,
foram feitas por procuradores ilegais e funcionários do Institutos dos Registos
e do Notariado, em Portugal, e não por
advogados ou solicitadores.
Os processos de integração de assentos de registo civil
processados pelas autoridades portuguesas do antigo Estado da Índia chegam a demorar
cinco anos e mais do que isso, afetando, por natureza os processos de
atribuição da nacionalidade portuguesa aos seus descendentes.
Esta prática é, objetivamente, discriminatória.
É tempo de por termo à discriminação dos Portugueses da Índia
e dos seus descendentes e de respeitar a República da Índia como um país soberano,
com quem Portugal assinou um Tratado que merece respeito, em 31/12/1974.
Nada pode justificar que os Portugueses da India e os seus
descendentes sejam tratados de forma tão discriminatória e com o mais profundo
desrespeito.
Pela nossa parte, depois de termos denunciado esta situação
ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, sem qualquer resultado, passaremos
a denunciá-la à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação, com cópia para
essas autoridades, para que não possam limpar a água do capote.
É intolerável que haja Portugueses indocumentados há mais de
60 anos, como acontece com todos os que nasceram antes da “libertação” e que
não conseguiram integrar os seus registos de nascimento (processados pelas
autoridades portuguesas) no registo civil português.
Lisboa, 26 de dezembro de 2021
Miguel Reis