19 novembro 2018

O problema não é uma conta de 3 milhões... E a falsificação incontrolada de documentos.

Não me parece razoável a interpretação da lei no sentido de que qualquer funcionário que possa praticar atos para os quais é necessário um login e uma password possa ceder esses dados a terceiros, como fazemos com a cedência dos nossos códigos de Multibanco a pessoa de confiança a quem pedimos para levantar 50 €.
Discordo completamente da posição adotada pelo Ministério Público no Processo nº 2321/16.1T9LSB.
Se a lei pode ser interpretada nesse sentido, então deverá alterar-se a lei.
Por isso, escrevi ao Presidente da Assembleia da República esta carta:


Assunto: Sugestões aos deputados do meu País relacionadas com algumas recentes manobras de diversão



Senhor Presidente:
            Viciei-me, nos últimos anos, na observação de manobras de diversão, que pervertem a Justiça, a Política e a Comunicação Social e que têm, por regra, uma teleologia de encobrimento da realidade, mesmo que apareçam nos media e nas redes sociais apenas por coincidência.
            Na semana passada, os meios de comunicação passaram ao País a informação de que os deputados usam os logins e as passwords uns dos outros, para obterem proventos, aliás miseráveis, no fim do mês.
            Se tal facto for verdadeiro, ele merece, na minha modesta opinião, um reparo.
            Estou, porém, convencido de que noticias que com este conteúdo se produzem, servem essencialmente, para encobrir outras realidades, mais preocupantes do que essa.
            Ninguém sabe qual é a dimensão atual do uso logins e passwords de funcionários por terceiros, inclusive estrangeiros, com gravíssimas consequências para a nossa segurança documental.
            Às vezes, nem quem lida com estes assuntos tem a perceção da profundidade das questões conexas com algumas notícias.
            Referi atrás a questão do uso de logins e passwords por pessoas que não são os respetivos titulares.
            Anteontem, os jornais e as televisões começaram a “queimar” o chefe de gabinete do Ministro da Defesa, como se ele fosse um bandido, com dinheiro acumulado quando era cônsul-geral de Portugal em São Paulo. E as notícias ligam esse depósito, alegadamente irregular, aos “vistos Gold”, sobre os quais ouvimos, à noite, mais uma preleção de uma conhecida deputada europeia.
            Em novembro de 2015 – já passaram 3 anos – foram presos o então Presidente do IRN, Dr. António de Figueiredo, o Diretor Nacional do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Dr. Jarmela Paulo e os funcionários do IRN Paulo Eliseu, Paulo Vieira, José Manuel Gonçalves e Abílio Silva.
            Esse processo – qualificado com “Processo dos Vistos Gold” – implicou a constituição do Ministro Miguel Macedo como arguido e a respetiva demissão do governo de Passos Coelho.
            O julgamento já foi concluído e, segundo os jornais, a sentença desse processo será lida em 17 de maio de 2019. É obvio que todos os arguidos gozam da presunção de inocência até trânsito em julgado de sentença condenatória.
            Perguntará Vª Exª o que é que isto tem a ver com o introito e com o vício de perseguição das manobras de diversão, na Justiça, na Política e na Comunicação Social.
Devo confessar-lhe, Senhor Presidente, que neste momento, nem eu sei.
O que eu sei é que a qualidade de cidadão português é, desde há alguns anos, um bem muito valioso, pelo qual muitos estrangeiros se dispõem a pagar valores muito elevados; e nisso reside a essência do negócio dos chamados vistos Gold.
Pode ser que haja depósitos relacionados com esse negócio; e se assim for não perde tudo, porque, naturalmente, serão apreendidos pela polícia.
Mas talvez estejamos perante uma simples manobra de diversão, para encobrir histórias de logins e de passwords.
O regime dos vistos Gold - autorização de residência para atividade de investimento – foi criado pelo XIX Governo Constitucional, sem tomar em consideração as reformas introduzidas, especialmente no registo civil, pelos dois governos anteriores, ou tomando-as em consideração num sentido inverso.
Será caso para dizer que “uns comem os figos e a outros lhes rebenta a boca”…
Em 2007 foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, uma profundíssima reforma no Código do Registo Civil, passando os processos a ser digitais.
O Cartão de Cidadão foi criado no mesmo ano, pela Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, na sequência de normas modernizadoras da mesma natureza, que criaram o PEP (passaporte eletrónico português).
Em 2009 foram publicados dois importantes diplomas, a Portaria n.º 654/2009, de 17 de junho, que regulamenta os pedidos online de atos e de processos de registo civil e a Portaria  n.º 1224/2009, de 12 de outubro, que determinou que os atos e processos de registos consulares deveriam ser efetuados no Sistema Integrado de Registo e Identificação Civil – SIRIC.
Já lá vão mais de 9 anos e ainda não foram implementadas as condições que permitam aos advogados e aos solicitadores apresentar pedidos online de atos de registo civil.

De outro lado, apesar de o Estatuto da Ordem dos Advogados garantir que “a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada”, a prática tornou impossível a assistência em matéria de pedidos de cartão de cidadão e de passaportes, o que, no essencial, tem conduzido e viabilizado situações de usurpação de identidade que são conhecidas, no mínimo, pelos serviços que as permitiram e as processaram.

É que o controlo de processos digitais só pode, em bom rigor, afirmar-se desde que os mesmos sejam acessíveis. E a realidade é outra: há agentes estrangeiros que “entram” no sistema de registo civil, porque têm logins e passwords mas os advogados não podem fazê-lo sequer para verificar se a identidade dos seus clientes já foi usurpada ou não.

As reformas de José Sócrates no plano do digital apontavam para a transparências. As práticas posteriores - de todos os governos – impuseram a opacidade.
E é  na lógica da opacidade que vale tudo nomeadamente o uso dos logins e passwords por terceiros.
O Ministério Público acha que é lícito que um funcionário “empreste” as suas passwords a terceiros; e é por isso (que me choca) que eu me dirijo ao Legislador, porque me parece que é preciso mudar as leis.

Pelo que conheço do sistema – pois que o acompanho desde que nasceu – não podemos tolerar, por inadmissível, que um funcionário com competência para a prática de atos de registo civil ou para instruir pedidos de cartões de cidadão ou de passaportes possa entregar as suas senhas a empresas prestadoras de serviços ou a empregados dessas empresas, para que elas ou os seus empregados processem atos tão relevantes como são todos os do registo civil, ou pedidos de passaportes ou de cartões de cidadão.

E foi isso que aconteceu, não se sabe com que dimensão, exceto em São Paulo.

Quando recentemente ouvi a notícia de que o Consulado Geral de Portugal em São Paulo deixaria de aceitar pedidos de atos de nacionalidade e registo civil até ao fim do ano, interpretei tal noticia como uma manobra de diversão, por saber que nesse consulado se praticam atos de registo civil e nacionalidade e se organizam processos de pedido de passaportes e bilhetes de identidades, por via de empregados de uma empresa privada brasileira.

Sempre entendi – e continuo a entender – que essa prática é ilícita. Parece-me que um funcionário a quem seja entregue um login e uma password não deve cedê-la a terceiros.

Porém, como  atrás se referiu,  o Ministério Público entende o contrário.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros, que sabe disto tudo, foi muito simpático agradecendo a informação que prestei; mas parece que continuou  a permitir essa prática.

E, no mesmo sentido agiu a direção do Instituto dos Registos e do Notariado.

Tanto quanto é do meu conhecimento, não foi anulado um único ato dos que foram praticados por falsos funcionários, com o uso de logins e passwords dos verdadeiros funcionários.

Não me importa a questão de saber se a tal conta paralela existe ou não e, muito menos, se o Dr. Paulo Lourenço nela metia a mão ou não.

Sempre tive o Dr. Paulo Lourenço por pessoa honesta; e continuo a ter.

A única coisa que conheço de errado no seu comportamento é o facto de ter, como Cônsul Geral, permitido ou mesmo ordenado que os seus funcionários – que são funcionários do Estado Português – tivessem cedidos e seus logins e passwords a pessoas estranhas ao Consulado e que, com tais dados, agiam falsamente, como se fosse verdadeiros funcionários.

O contrato do Estado Português – ou do Consulado – com a empresa ETICASP ASSESSORIA E SER EMPRE LTDA ME é, pelo menos, de janeiro de 2015, tempo em que era Ministro dos Negócios Estrangeiros o Dr. Paulo Portas.

Há listagens dos documentos a que eu chamo “documentos falsificados” no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, o que, por si só indicia que o Dr. Paulo Lourenço se terá limitado a cumprir ordens, sem querer esconder os milhares de falsificações que terão sido processadas.

Entendo que a respeitabilidade do Estado e o imperativo de garantir uma qualidade de serviço público a toda a prova justifica, só por si, que se promova a anulação de todos os atos que foram praticados por falsos funcionários.

O Legislador não pode passar ao largo destas questões nem fechar os olhos, como se elas não existissem.

 

A questão da segurança dos documentos portugueses – nomeadamente dos documentos registrais e dos documentos de identificação – não pode continuar a ser tratada como uma questão menor, para beneficiar negócios ilícitos.
Há pessoas, Senhor Presidente, a quem é usurpada a identidade, sem dó nem piedade, com o envolvimento de funcionários do Estado.
Outras há, aos milhares, a quem são criadas todas as dificuldades de acesso à nacionalidade e à identidade, com violação do direito português e do direito internacional.

Tudo porque a qualidade de português tem um valor muito elevado e a nacionalidade foi transformada num gigantesco negócio, nomeadamente por via do abandalhamento dos serviços, de que estas manobras de diversão são expressão.
Anexo um conjunto de documentos que reputo da maior importância para a análise dos assuntos em causa.
Os meus mais respeitosos cumprimentos

            Miguel Reis
            Advogado
Cédula 5066L  

12 novembro 2018

Parece que andam a brincar connosco...

Andam seguramente a brincar connosco. A única posição do Ministério Público que conheço é a que consta do despacho aqui reproduzido.
O Ministério Público considera que é lícito o uso dos logins e passwords por terceiros, inclusiva por estrangeiros, desde que tal uso seja autorizado pelos titulares de tais chaves de acesso.
Graças a este entendimento fabricaram-se milhares de cartões de cidadão e de passaportes portugueses.
A anterior Procuradora Geral da República tem conhecimento.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros tem conhecimento.
A cúpula do IRN tem conhecimento.
Perante estes factos a pratica da deputada do PSD é própria de uma menina do coro.

26 julho 2018

O caso do uso das senhas dos funcionários do Consulado de São Paulo por terceiros (II)




O despacho de arquivamento

A posição do Ministério Público é simultaneamente interessante e controversa.
Fiquei, a um título, muito satisfeito e muito triste.
Satisfeito porque o meu cliente, que se apresentou à Justiça de corda ao pescoço, foi, imediatamente, absolvido, por via do arquivamento do processo.
Triste, porque me parece que dada uma machadada brutal na segurança dos documentos portugueses.
O que o Ministério Público diz, muito sinteticamente, é que é lícita a utilização por terceiros – incluindo estrangeiros - dos logins e passwords  de acesso dos funcionários a plataformas tão importantes como a do registo civil ou as dos cartões de cidadãos e passaportes.
No dia 2/9/2016, foi proferido pelo Procurador Jorge Guilherme Pereira de Araújo Barbosa Teixeira um despacho de arquivamento com o seguinte teor:

“Nos presentes autos está em causa a denúncia que André... faz, contra si mesmo e contra outros funcionários que consigo prestaram serviço em regime de colaboração externa no Consulado-Geral de Portugal em São Paulo, no Brasil.
Em causa esta o uso de nomes de usuário e correspondentes palavras-passe de outras pessoas, funcionários do Consulado, pois não seria possível a criação de nomes de usuário e de palavras-passe para o denunciante e pessoas em idêntica situação de colaboração externa.
Tais nomes e palavras-passe foram usados para fins legítimos, atinentes ao exercício das funções normais do Consulado.
O denunciante imputa aos denunciados (a si mesmo e a outros responsáveis pelo referido uso) a prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art." 256.° do Código Penal.
Comete tal crime:
"Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executor ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus  componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;....
É manifesto que o denunciado uso não tinha qualquer intenção de causar prejuízo ao Estado ou a outra pessoa, nem de obter para si mesmo ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, nem de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime - para além de que a conduta não se subsume ao tipo legal em causa, mas antes ao tipo legal do crime de acesso ilegítimo p. e p. pelo artº 6." da Lei do Cibercrime - pelo que não preenche o tipo legal do crime de falsificação (ainda que pudéssemos no caso estar a referir uma "assinatura" para efeitos de enquadramento da conduta como sendo de abuso de assinatura.
Poderiam os factos denunciados integrar a prática de um ou mais crimes de acesso ilegítimo. Ora, comete tal crime quem "sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático" (artº 6.°, n.° 1, da Lei n.° 109/2009, de 15.09 - Lei do Cibercrime).
Como resulta claro do teor da denúncia apresentada, o uso feito para aceder ao sistema foi-o com autorizado do proprietário do sistema, pelo que também não preenche tal tipo legal de crime a conduta em causa.
Estamos, assim, perante factos que não constituem crime, pelo que se impõe proceder ao arquivamento do inquérito por tal motivo.
Face ao exposto. porque os factos não constituem crime, determino o arquivamento do inquérito nos termos do artº  277.° nº 1 do Código de Processo Penal.
Notifique o denunciante e seu Ilustre Mandatário por via postal registada.”

Fica claro destes despacho que o titular da ação penal considera que é lícito a qualquer funcionário que tenha acesso a uma base de dados da administração pública, pra processar atos tão importantes como os do registo civil, ceder os dados de acesso a outras pessoas, incluindo a estrangeiros, permitindo que elas processem tais atos, ainda que para isso não sejam competentes.

25 julho 2018

O casos do uso das senhas dos funcionários do Consulado de Portugal em São Paulo por terceiros (I)


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Em finais de agosto de 2016, fui procurado, no escritório de São Paulo, por um funcionário do Consulado Geral de Portugal, que me contou uma estranhíssima história.
Disse-me o homem que andou meses a usar os logins e passwords de outros funcionários, para processar desde registos de nascimento, a registos de casamento e  de óbito, passando pela requisição de cartões de cidadão e de passaportes.
Estava em convencido de, que, apesar da autorização, o funcionário em causa tinha procedido à falsificação de milhares de documentos, por não me parecer nem legal nem eticamente admissível que alguém pudesse usar os dados de acesso a plataformas informáticas tão importantes como as do registo civil, do cartão de cidadão ou dos passaportes  para processar atos, como se dos respetivos titulares se tratasse.
Puro engano.
O Ministério Público considera que não há nenhum ilícito desde que o titular dos dados de acesso tenho autorizado o seu uso, mesmo que o utente não seja funcionário, como era o caso.
O meu primeiro problema como advogado foi facilmente resolvido: o meu cliente não foi sequer acusado, apesar de ter assumido que falsificou, embora de boa fé, muitos documentos.
Conto aqui a história, step by step, omitindo os nomes dos intervenientes, no respeito pelos seus dados pessoais.


Uma queixa no DIAP de Lisboa

No dia  28 de agosto de 2016, entreguei no DIAP uma queixa, que deu origem ao Processo nº  2321/16.1T9LSB da 4ª Secção.
Escrevi eu nessa queixa:

Exmº Senhor Procurador da República junto do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa
FULANO..., de nacionalidade portuguesa, casado, titular do cartão de cidadão nº  ..., residente na Avenida ... apartamento..., São Paulo, CEP .... SP, Brasil, vem apresentar denúncia criminal, para os termos do disposto no artº  242º,1, al. b) do Código de Processo Penal[1], por referência ao artº  386º,1 al. d)[2] do Código Penal e com os fundamentos seguintes:
1.     O denunciante é casado com um nacional brasileiro, residindo no Brasil desde.....
2.     Em 22 de janeiro de 2015, foi contratado pela sociedade ETICASP ASSESSORIA E SER EMPRE LTDA ME, com sede em Osasco, São Paulo, “para fins de experiência”, com as funções de “assistente administrativo”, nos termos do documento que se junta como Documento nº 1 e que se dá por reproduzido.[3]
3.     Este contrato teve o seu término em 7/3/2015, continuando, porém a prestação laboral até ao dia 9 de agosto de 2016.
4.     Apesar de constar no contrato que o local de trabalho era “o MESMO DA EMPRESA”, o denunciante sempre trabalhou apenas no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, na Rua do Canadá, 324, CEP 01436-000 São Paulo, Brasil.
5.     Nos termos do contrato, deveria o denunciante “trabalhar para a empregadora (a referida sociedade) na função de assistente administrativo e mais funções que vierem a ser objeto de ordens verbais, cartas ou avisos, segundo as necessidades da Empregadora desde que compatíveis com as suas atribuições”.
6.     No início da sua atividade, o denunciante foi incumbido por ALINE..., responsável pelos empregados da ETICASP  no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, de atender telefones desse consulado e de prestar informação aos utentes.
7.     Essas tarefas foram iniciadas sem nenhuma informação prévia, para além da audição de outro “funcionário” durante dois ou três dias, apesar de a informação a prestar aos utentes ser de grande complexidade, nomeadamente jurídica, abrangendo áreas tão dispares como as seguintes:
7.1.  Nacionalidade portuguesa
7.2.  Informações sobre o conteúdo da base de dados SIRIC
7.3.  Informações sobre vistos
7.4.  Andamentos de processos de toda a natureza com curso no SIRIC e no SGC.
8.     Passados dois ou três meses foi-lhe ordenado que passasse a usar a identidade dos funcionários JOSÉ... , ANA... e dE outros funcionários que nunca conheceu, bem como as  senhas seguintes:
8.1.  Para o SIRIC
·      USUÁRIO: pdgrn\...
·      SENHA: lk58vx
8.2.  Para o SGC
·      USUÁRIO: aa...
·      SENHA: aazevedo
8.3.  Para a base de dados do cartão de cidadão
·      USUÁRIO: ali...
·      Senha: alispbr
8.4.  Para acesso à base de dados do passaporte eletrónico (PEP)
·      USUÁRIO: BR...
·      Senha:  consulado
9.     Com estas senhas, passou o denunciante a, num primeiro momento, aceder a todas essas bases de dados para satisfazer pedidos de informação que lhe eram feitos por telefone, sem qualquer controlo da identidade de quem estava do outro lado da linha.
10.  Tudo no cumprimento de ordens da referida ALINE ....
11.  Em setembro de 2015 passou a processar atos de registo civil, nomeadamente os seguintes:
·      Registo de nascimento atributivos de nacionalidade portuguesa;
·      Transcrições de casamento;
·      Transcrições de óbitos.
12.  Em conformidade com as ordens da referida ALINE...  o ora denunciante agia como se fosse o funcionário JOSÉ CARLOS..., escrevendo, no final do assento “por competência própria: JOSÉ CARLOS...”.
13.  O denunciante não sabe quantos registos processou, pois que essa atividade se iniciou em agosto ou setembro de 2015 e ele só começou a guardar cópias das listagens dos registos em janeiro de 2016.
14.  Só entre janeiro e agosto de 2016, o ora denunciante processou
·      329 registos de nascimento
·      186 registos de casamento
·      71 registos de óbito
15.  Tudo como se vê da listagem que junta como Documento nº 2.
16.  Para além do denunciante, processavam ( e continuam a processar) atos de registo civil, com identidade de outros funcionários,  os seguintes trabalhadores, outrossim vinculados à mesma sociedade comercial:
·      ALINE..., que usa a identidade da funcionária VIVIANE...:
·      ANGÉLICA..., que usa a identidade do funcionário GUILHERME...;
·      ROZÂNGELA...  que usa a identidade  do funcionário ABILIO ....
17.  Antes de ser usada pelo denunciante a identidade e a senha do SIRIC (José Carlos...) era usada por ANA....
18.  A partir de certo momento, o denunciante passou a sentir-se numa posição desconfortável com esta situação, tendo pedido esclarecimentos à referida ALINE  e ao funcionário ABILIO ..., os quais o informaram que “era assim que o sistema estava implementado”, sob  a responsabilidade de sucessivos cônsules gerais e por ordem deles, porque não era possível aos “funcionários terceirizados” terem as suas próprias senhas.
19.  Entre os meses de agosto/setembro de 2015 e agosto de 2016, o denunciante emitiu centenas de cartões de cidadão e de passaportes, agindo como se fosse outro funcionário e com a sua identidade e dados eletrónicos.
20.  O denunciante foi-se sentindo cada mais desconfortável, o que terá sido notado pelos seus superiores hierárquicos, a quem tal postura não passou despercebida.
21.  No dia 9 de agosto de 2016 foi chamado pela referida ALINE ... e por NEREU..., o dono da ETICASP à copa do Consulado de Portugal, tendo-lhes os mesmos anunciado que, a partir daquele momento, por ordem expressa do Consulado, cessava a relação laboral.
22.  Foi-lhe entregue o Documento nº 3, assinado pelo referido NEREU e pelo ora denunciante.
23.  Solicitou o denunciante que lhe permitissem falar com o cônsul geral, o que foi denegado, sendo ameaçado pela ALINE de que seria expulso do consulado pelos seguranças.
24.  O denunciante pediu uma audiência ao cônsul geral, Dr. Paulo..., o qual o recebeu no dia 16 de agosto, tendo-o informado de que desconhecia a razão do despedimento e que não podia interferir no mesmo, pelo que lhe apresentou desculpas pela forma como foi tratado dentro do Consulado.
25.  Só depois desta data – tendo ficado no desemprego e com tempo para refletir sobre tudo isto – ocorreu ao denunciante consultar um advogado.
26.  E só depois de tal consulta se apercebeu de que, embora sem consciência da ilicitude e sem culpa, terá cometido  um sem número de crimes de falsificação de documentos, que vem denunciar, pedindo que ser proceda à respetiva investigação.
27.  Esta situação de uso generalizado da identidade de funcionários do quadro pelos “funcionários terceirizados” é do conhecimento de todos os funcionários, que há muito tempo vêm reclamando de tal facto.


Do direito
28.  Dispõe o artº 256º do Código Penal, sob a epígrafe de “falsificação ou contrafação de documento”:
 1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. er jurisprudência
29.  O artº 256º,4 dispõe que se os factos referidos nos n.os 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
30.  Dispõe o artº 255º do Código Penal que, para efeito do disposto no presente capítulo, considera-se:
a) Documento - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta;er jurisprudência
b) (...)
c) Documento de identificação ou de viagem - o cartão de cidadão, o bilhete de identidade, o passaporte, o visto, a autorização ou título de residência, a carta de condução, o boletim de nascimento, a cédula ou outros certificados ou atestados a que a lei atribui força de identificação das pessoas, ou do seu estado ou situação profissional, donde possam resultar direitos ou vantagens, designadamente no que toca a subsistência, aboletamento, deslocação, assistência, saúde ou meios de ganhar a vida ou de melhorar o seu nível; er jurisprudência(...)
31.  O ora denunciante não tem formação jurídica e nunca lhe passou pela cabeça que pudesse – sem querer - estar a realizar um crime.
32.  Agiu sob ordens dos seus superiores e sem intenção criminosa e sem culpa.
33.  E mal teve consciência de que os factos acima denunciados integram a prática de crimes, tomou a iniciativa de os denunciar, oferecendo toda a sua colaboração à Justiça.
34.   O denunciante nunca teve a consciência de que a inserção do nome de um terceiro funcionário e o uso da respetiva senha tanto no SIRIC, como nas bases de dados do cartão de cidadão ou do passaporte eletrónico eram elementos essenciais para a realização objetiva de registos e de documentos falsos.
35.  Só agora, depois de analisada a situação com o advogado signatário, tomou consciência de que, embora sem intenção criminosa e sem culpa, realizou todos esses registos falsos e fez emitir todos esses documentos falsos, cuja anulação não pode deixar de requerer, para o que, no momento próprio se constituirá assistente.
36.  O denunciante não quer fugir às responsabilidades. Bem pelo contrário: não quer, em nenhuma circunstância, poder ser responsabilizado pelas falsificações de documentos que processou, sob instruções da sua própria entidade patronal e sob o alto patrocínio do Consulado Geral de Portugal.
37.  Dúvidas não há para o signatário de que todos os registos processados nestas circunstâncias (tantos os que foram feitos pelo denunciante como os que foram feitos pelos demais “funcionários terceirizados” são nulos, porque são falsos.
38.  O mesmo é valido para os cartões de cidadão e para os passaportes emitidos com identidade falsa.
39.  Esta prática criminosa foi organizada, em termos absolutamente obscuros, de forma concertada, pela referida sociedade comercial e pelo Consulado de Portugal em São Paulo.
40.  Tanto quanto se sabe, a referida ETICASP só trabalha no Consulado Geral de Portugal, tendo livre acesso a todos os setores.
41.  A sociedade ETICASP tem entre 16 e 18 “funcionários terceirizados”.
42.  Embora todos tenham um ”crachat” idêntico ao que se junta como Documento nº 4, nenhum usa, como não usava o ora denunciante, a sua identidade, agindo por regra com a falsa identidade de funcionários do quadro.
43.  Os factos referidos, para além de serem subsumíveis a crimes de falsificação de documento ofendem os bens jurídicos protegidos pelo artº 348º-A do Código Penal.
44.  O Consulado Geral de Portugal em São Paulo e a referida ETICASP ofenderam, de forma grosseira, a boa fé do denunciante, pelo que devem ser responsabilizados, no plano da responsabilidade civil, pelos enormes danos, maxime de natureza moral, que lhe causaram, para  que, no momento oportuno o denunciante se constituirá assistente e deduzirá o devido pedido cível.

E concluímos assim:
Nestes termos e nos melhores de direito
1.     Requer a Vª Exª que promova a abertura da pertinente investigação criminal, começando por pedir esclarecimentos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre o “esquema” fraudulento acima denunciado;
2.     Requer a Vª Exª que adotem as providência necessárias para pôr termo à falsificação de documentos que continua a fazer-se no Consulado Geral de Portugal em São Paulo e, provavelmente, no mesmo esquema, em outros consulados de Portugal no Brasil;
3.     Requer a Vª Exª que providencie no sentido da declaração de nulidade dos atos de registo civil  e das emissões de passaporte e de cartão de cidadão processadas pelo denunciante, com falsa identidade.

Ofereceram-se dez testemunhas, todas funcionários “terceirizados” do Consulado Geral de Portugal em São Paulo.
Ninguém foi ouvido no processo; nem o denunciante nem as testemunhas.
O processo foi arquivado e o fabrico de documentos por via da intervenção de falsos funcionários continuou, tanto quanto se sabe, com o alto patrocínio de todas as autoridades que têm conhecimento destes factos.



[1] Artº 242º do Código de Processo Penal:
1 - A denúncia é obrigatória, ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos:
a) Para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento;
b) Para os funcionários, na aceção do artigo 386.º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.

[2] Artº 386º do Código Penal:
1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.er jurisprudência
 2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.er jurisprudência
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 335.º e 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados de organizações de direito internacional público, independentemente da nacionalidade e residência;

[3] Não se reproduzem os documentos, porque contêm dados pessoais, que merecem proteção.