10 novembro 2019

O crime de corrupção, o jornalismo e o tráfico de influência






Todos os dias os jornalistas falam de corrupção e de violência, porque tanto a corrupção como a violência vendem jornais; e as tiragens estão a um nível miserável.
São muito poucas as condenações por crimes de corrupção; e todas por valores miseráveis.
Parece que ninguém tem interesse em que se façam julgamentos, em tempos decentes. E por isso se intoxica a opinião pública, sem invocar factos e sem apresentar provas. Apenas para destruir pessoas.
É um círculo vicioso que ofende o principio constitucional da presunção de inocência e o dever que os jornalistas têm de lhe dar respeito.


O artigo 373º do Código Penal diz o seguinte, sob a epigrafe de corrupção passiva:
“1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos. Ver jurisprudência
2 - Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
O artº 374º do Código Penal define o crime de corrupção ativa nos termos seguintes:
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. Ver jurisprudência
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias. Ver jurisprudência
3 - A tentativa é punível.Ver jurisprudência
A simples análise dos textos demonstra que a corrupção – ativa ou passiva – é denominação de tipos legais de crimes que só se consumam se todos os seus elementos forem provados em juízo.
Entendo que é errado – e até ilícito – afirmar que um individuo que cometeu determinados factos que podem subsumir-se no crime de corrupção ativa ou de corrupção passiva é acusado da prática desses crimes sem ser referirem quais são os factos
Tanto a acusação como a pronúncia afirmam que o arguido praticou determinados factos e não que cometeu determinado crime.
O artº  283.º do Código de Processo Penal, diz o seguinte, sob a  epigrafe de acusação  pelo Ministério PúblicoVer jurisprudência:
1 - Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acuação contra aquele.Ver jurisprudência
2 - Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.Ver jurisprudência
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respetiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;
h) A data e assinatura.Ver jurisprudência
4 - Em caso de conexão de processos, é deduzida uma só acusação.Ver jurisprudência
5 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º, prosseguindo o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes.Ver jurisprudência
6 - As comunicações a que se refere o número anterior efetuam-se mediante contacto pessoal ou por via postal registada, exceto se o arguido e o assistente tiverem indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º Ver jurisprudência
7 - O limite do número de testemunhas previsto na alínea d) do n.o 3 apenas pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos crimes referidos no n.o 2 do artigo 215.º ou se o processo se revelar de excecional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime, enunciando-se no respetivo requerimento os factos sobre os quais as testemunhas irão depor e o motivo pelo qual têm conhecimento direto dos mesmos.Ver jurisprudência
8 - O requerimento referido no número anterior é indeferido caso se verifiquem as circunstâncias previstas nas alíneas b), c) e d) do n.o 4 do artigo 340.º
            A acusação em processo penal tem uma natureza e uma função idêntica à petição inicial processo civil.
            É um pedido do titular da ação penal – que é o MºPº -   para que se proceda ao julgamento dos factos alegados pelo Ministério Pública e à verificação das provas oferecidas, relativamente aos elementos do tipo legal de crime, entre os quais se inclui a culpa.
            Não se pode dizer que fulano praticou um crime de corrupção ou é suspeito de um crime de corrupção. O que se pode dizer é que o Ministério Publico o acusa da prática de determinados factos e oferece determinados elementos de prova.
Nesse plano – o da investigação dos factos – o jornalista tem todo o direito – e até o dever – de proceder a investigações paralelas, ou seja a investigações de natureza jornalística,
            O jornalista trata de factos e está obrigado a respeitar o princípio da presunção de inocência, segundo o qual todo o arguido se presume inocente atá ao trânsito em julgado de sentença condenatória.
            Diz o artº 14º do Estatuto do Jornalista, de Portugal,  sob a epígrafe de deveres:
1 - Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respetiva atividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente:
a)    Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
b)    (...)
2      - São ainda deveres dos jornalistas:
a) (...)
b) (...)
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
...
Entendo que os jornalistas não devem facilitar os julgamentos na praça pública nem aceitar ser peças do marketing do MºPº, sob pena de incorrerem na prática do crime de tráfico de influência, para além da violação do citado dever profissional.
Podemos estar perante crimes de tráfico de influência, se se provar que alguém entregou aos jornalistas documentos que não são conhecidos de ninguém, apenas para influenciar a opinião publicação
Há um crime, tipificado no artº 325º do Código Penal, nos termos seguintes:
“Artigo 335.º Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
b) Com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.Ver jurisprudência
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas referidas no número anterior para os fins previstos na alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Parece-me obvio que, quem afirmar que determinada pessoa cometer determinado crime, sem ter quaisquer provas dos factos, apenas porque eles constam de uma acusação em processo que ainda não foi julgado, como o crime de tráfico de influência, na versão do nº 2, pelo menos.
Ninguém acredita que são dadas cópias dos processos aos jornalistas por causa da cor dos seus olhos.

Miguel Reis
Lisboa 10/11/2019

16 outubro 2019

A pouca vergonha continua...

A venda da nacionalidade portuguesa e de outros atos

A nacionalidade portuguesa valorizou-se. E isso potenciou um fabuloso negócio, envolvendo funcionários, falsos funcionários e curiosos, espalhados por todo o Mundo e suportados por uma rede de procuradores ilegais, a quem as autoridades dão cobertura.
Ninguém fala da sonegação fiscal de milhões que isto envolve.
E ninguém fala de áreas muito mais sensíveis do que as reportadas nas últimas noticias.
Hoje, vende-se nacionalidade portuguesa nos supermercados. Basta ver o anúncio da cidadania.ja, onde uma série de curiosos brasileiros oferecem serviços de nacionalidade portuguesa e de registo civil.
Bem se compreende a implosão deste e de outros negócios quando os consulados de Portugal não tem funcionários suficientes e alienam a segurança documental a terceiros e a organizações cuja identidade nem sequer se conhece.
A ocasião faz o ladrão; e a pequena corrupção – do tipo da das chamuças – está à vista.
Basta ir a uma conservatória do registo civil ou à conservatória dos registo centrais e identificar quem está a agir em representação de terceiros.
  • Onde está a fatura emitida ao cliente?
  • Quantos mais processos tem e quais?
  • É advogado ou procurador ilegal?
  • Porque é que os funcionários atendem procuradores ilegais, apesar de haver instruções em contrário?
  • Quanto é que ganham eles próprios?
Em São Paulo foi mesmo constituida uma empresa cujos funcionários passaram a fazer atos consulares, com logins e passwords emprestados.
O Ministério Público acha bem, o que constitui um incentivo para que todos os demais funcionários emprestem as suas passwords.
Enviei uma carta ao Presidente da Assembleia da República e denunciei o caso das falsificações de São Paulo, sem que houvesse resposta. Podem ler a matéria na Falência da Justiça.
Continua tão atual como hoje.
Vou apagar os nomes e publicar os documentos.
É preciso pôr cobro a esta pouca vergonha.

Miguel Reis
Advogado
OA5066L