Numa entrevista ao Diário de Notícias, afirma o director-geral da Polícia Judiciária que «na corrupção não há ungidos (porque) ela toca toda a gente, todos os serviços».
Sublime afirmação, que mais não serve do que para confirmar o que todos sentimos no dia a dia.
Carlos Coelho, deputado europeu do PSD, considera que o lugar geométrico preferencial da corrupção são as autarquias, mas que na administração central «há negócios também mais que suspeitos».
Há muitas formas de corrupção, mas as mais comuns passam pela sobre-facturação de bens ou serviços, pelo que não se afigura minimamente dificil atacá-la de frente, se para isso houver vontade política.
Se há reservas relativamente às generalização do fim do segredo bancário, parece-nos elementar que ele deve ser excluido relativamente às empresas e aos particulares que negoceiam com o Estado. Sabendo-se para onde vão os dinheiros públicos que pagam os bens ou serviços sobrefacturados é só seguir-lhes o rasto...
A corrupção pura nos negócios de entidades públicas com privados funciona por via da devolução de uma parte do valor pago ao funcionário ou ao político corrupto.
Ela tem um campo privilegiado na área da consultoria e das prestações de serviços e funciona segundo este esquema:
a) A entidade pública paga ao consultor um determinado montante, convencionando-se quanto é que ele devolve;
b) O consultor guarda o montante necessário para o pagamento dos impostos e entrega o remanescente no destino indicado.
Há uns anos, numa assembleia geral da PT, um administrador informou que tinham sido pagos 10 milhões de contos a advogados, a propósito da aquisição do portal ZipNet. Um pagamento deste valor é por, demais, suspeito, pelo que deveria ter sido investigado.
O sistema é, porém, amigo da corrupção. Os contratos celebrados pelo Estado e pelas entidades públicas são, normalmente, inacessíveis ou desenvolvem-se de forma tão discreta que não possível questiná-los.
O compadrio está absolutamente institucionalizado, tanto pela via da excepção da contratação directa, sem concurso público, como por aquela outra da escolha dos amigos e conhecidos.
Ainda agora vimos isso na contratação da empresa F9.
A única maneira que há de acabar com o compadrio é a de acabar com as contratações sem concurso.
Mas isso não chega.
É indispensável publicitar os contratos celebrados pelos Estado e publicar as listas dos fornecedores e dos prestadores de serviços, para que os cidadãos possam eles próprios fiscalizar o bom uso dos dinheiros públicos.
O que se passa com a contratação de serviços jurídicos ultrapassa tudo o que é razoável. E a regra de que não devem ser conhecidos os nomes dos clientes dos advogados já não serve para proteger os mais pequenos, que teoricamente seriam prejudicados pelos conhecimento de quem assiste os grandes.
Serve sim para prejudicar a concorrência e para evitar que cada um de nós se questionar porque é que é contratado este ou aquele escritório e, sobretudo, para questionar os valores pagos, que nalguns casos são escandalosos por relação aos serviços prestados.
Para além da área da consultoria, uma outra área é campo de primeira qualidade para a corrupção: a da informática e das novas tecnologias.
O facto de uma boa parte dos investimentos nestas áreas ser em consultoria e de se poderem construir dossiers enormes com a técnica do copy+paste facilita extremamente o trabalho de que se dedique à corrupção, inflacionando os valores dos projectos para verbas absolutamente intoleráveis.
Depois, tudo se justifica com erros técnicos e com incompetência. E o país continua à espera, exausto de recursos que desperdiça e de que carece para se desenvolver.
Parece evidente que tudo isto se evitaria se houvesse transparência e se pudesse funcionar a excelente massa crítica que há em Portugal e que tem permitido o sucesso a alguns jovens empresários bafejados pela sorte.
O problema está em que a massa crítica prejudica os negócios de alguns. E por isso tudo funciona em circuito fechado, cada vez mais fechado.
Haja transparência...
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