Retomo o tema principal destas notas.
O problema da justiça é, talvez, o mais grave que afecta hoje Portugal.
Sintomática disso mesmo é a sugestão, dada há dias (ver 24 de Outubro) pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, num discurso subversivo do estado de direito democrático. O dr. Noronha do Nascimento disse, nem mais nem menos, que a crise só se ultrapassa «limpando o lixo que entope os tribunais», lançando um apelo à coragem dos políticos para a destruição dos processos excedentários.
O que caracteriza o estado de direito – e daí a origem da expressão – é a possibilidade efectiva de tutela jurisdicional de qualquer direito, com o mais rigoroso respeito legalidade do princípio de que a todo o direito corresponde uma acção e do princípio de que todo o cidadão tem o direito de exigir que os tribunais se pronunciem com adequada celeridade sobre as questões que lhes são colocadas.
A situação de crise atingiu um estado limite em Portugal.
Um simples inventário, destinado à partilha de bens, demora anos e anos, morrendo muitas vezes os herdeiros sem aceder às heranças. Um divórcio litigioso arrasta-se, por regra, ao ponto de os cônjuges serem obrigados a entender-se e a convolá-lo em mútuo consentimento. As falências – agora denominadas insolvências – são processos intermináveis, em que normalmente acabam destruídas unidades com valor económico, que se poderiam pôr em funcionamento, apenas porque o sistema não funciona.
As cobranças de dívida por via judicial são difíceis e demoradas, o que gerou um novo mercado, assente na extorsão e na ameaça, que parece ser aplaudido como meio alternativo.
Tudo isto acontece numa sociedade de mercado, onde a justiça é cara, é paga e deveria ser lucrativa e onde não faltam meios que permitiriam, se houvesse algum bom senso, ter um sistema primoroso.
Não tenho dúvidas de que um dos maiores problemas da justiça portuguesa reside no facto de ela assentar num sistema de castas.
São os juízes, marcados por vícios acumulados durante séculos e por um sindicalismo que atravessa a magistratura, desde o CEJ até à cúpula. Operários do sistema judiciário num dia, quando querem reivindicar melhores condições de trabalho, arrogam-se membros de um órgão de soberania quando precisam de afrontar os outros poderes.
São os magistrados do Ministério Público, cuja produtividade está sempre protegida pelo segredo de justiça, que não permite questionar em tempo os processos que não andam.
São os advogados, organizados numa estrutura corporativa, que serve cada vez mais para o lobbying pessoal do que para a defesa dos princípios éticos que fazem mover a profissão em todos os países civilizados. É, entre estes, uma multidão de desempregados ou de subempregados que não vê na Ordem senão uma bandeira de esperança para as suas lástimas, por via da criação de um sistema de ocupação de tempos livres que sempre vai dando para a bucha.
Chegou-se ao ponto de alguns membros do governo se disporem a vender as suas intervenções para financiar esse «esquema» de «trabalho social» que a Ordem vem fomentando para manter uma espécie de exército industrial de reserva.
Claro que a crise favorece esse modelo de justiça economicamente aliciante que é a arbitragem, plenamente justificada pela comprovada ineficácia da justiça pública. Nos dias de hoje só um tolo deixaria àquela a possibilidade de julgar conflitos milionários, sendo certo que nem o próprio Estado acredita na justiça que tem, acordando, por regra, na solução dos seus problemas por via arbitral.
E os pobres? As pequenas e médias empresas? Os cidadãos?
Parece óbvio que, se a justiça pública funcionasse, morreriam à nascença negócios bilionários ou haveria, pelo menos, tempo para que a aquisição de serviços jurídicos pelas entidades públicas não visse a sua falta de transparências sistematicamente justificada pela urgência.
São milhões, distribuídos por meia dúzia, sem concursos públicos nem publicitação dos contratos, num cambão permanente e numa conflitualidade de interesses que nunca vem à tona, protegida pelos diversos segredos, entre os quais o profissional.
O mínimo exigível seria que o Estado e as entidades dele dependentes publicitasse os contratos que faz com advogados e que, nestes tempos de choque tecnológico, os que são por ele contratados fizessem parte de uma lista, publicada na Internet, para boa defesa dos direitos dos consumidores.
O razoável seria que as contas dos advogados que prestam serviço ao Estado ou a entidades públicas fossem obrigatoriamente auditadas, tanto no que respeita aos serviços prestados como ao destino dos fundos recebidos.
A corrupção, nos tempos de hoje, passa essencialmente pelos fornecedores de bens imateriais como são os serviços de consultoria e os fornecimentos de software. É aquela lógica do toma lá um milhão, tira o imposto, vês quanto sobre, retiras dez por cento e dá cá o resto…
Vivemos, autenticamente, numa selva e é preciso acabar com ela.
Não sei se os actuais dirigentes do Ministério da Justiça têm uma rigorosa noção do que está a acontecer e por isso lhes dou até o benefício da dúvida. Seria grave que, tendo a noção da realidade e afirmando-se todos, sem excepção, europeístas convictos, nos arrastassem conscientemente para um terceiro-mundismo ainda mais profundo do que aquele em que estamos a viver.
A patética demonstração disso mesmo está na propagandeada deslocação de Alberto Costa a Angola, onde foi «vender» a «Empresa na Hora» e «Habilus», depois de uma viagem idêntica à América Latina, onde parece que encontrou interessados apenas na Bolívia.
Não é que a «Empresa na Hora» e o «Habilus» não tenham partido de boas ideias, como acontece com quase tudo. Tiveram é péssimas execuções, que destruíram quase tudo o que as ideias tinham de bom.
Não me refiro, no que respeita à primeira, à patética lista de denominações sociais disponíveis, para cuja elaboração, provavelmente os dirigentes do ministério pediram a ajuda dos filhos mais pequenos. Refiro-me, essencialmente, ao absurdo que consiste na imposição de contratos sociais pré-elaborados em que as partes não têm nenhuma hipótese de afirmar a sua vontade.
No que se refere ao segundo – o «Habilus» – trata-se de um sistema onde não é possível consultar quase nada, com excepção das «conclusões em folha em branco» cuidadosamente digitalizadas dia a dia.
Não tenho dúvidas de que uma boa parte dos problemas da justiça se resolverá com o recurso às novas tecnologias. Mas não tenho dúvidas, também, de que esta equipa ministerial é absolutamente incompetente, atentas as provas dadas e as ideias anunciadas para levar avante uma reforma que resolva o essencial dos problemas.
O erro maior das reformas é um autêntico «ovo de Colombo» e reside, essencialmente na duplicação de sistemas.
Antigamente, eu enviava um requerimento ao tribunal e o funcionário colocava o papel no processo e concluía-o ao juiz. Hoje eu envio o mesmo requerimento por correio electrónico e o funcionário é obrigado a imprimi-lo, a lançá-lo no «Habilus» e a colocá-lo no processo.
Quando o juiz despacha, o despacho vai para o funcionário, que o lança no «Habilus» e mo envia por correio (apesar de eu comunicar com o tribunal por correio electrónico).
Isto é, logicamente, um atraso de vida. O trabalho é muito mais – podemos dizer que duplicou - quando podia ser muito menos.
Sem entrar em questões técnicas – aliás há muito inventadas e disponíveis – parece-me acessível a elementar percepção de que, se não queremos andar para trás, se torna indispensável passar, de imediato e urgentemente, para a completa desmaterialização, sob pena de estamos condenados a seguir a doutrina do Dr. Noronha, incendiando todos os tribunais para os libertar do «lixo» acumulado.
As soluções existem e são simples e económicas. Poderíamos falar das ERP’s, nas suas variadas famílias. Mas talvez seja mais facilmente perceptível – e menos exigente – imaginarmos o novo processo como uma espécie de um «blog» em que as partes interagem com o juiz, sem necessidade da maior parte dos actos dos funcionários, com transparência absoluta para os interessados.
Ou passamos para esse estádio, com a maior urgência, ou o sistema ficará completamente bloqueado a breve prazo.
Dramático – verdadeiramente dramático – é que este governo não conseguiu operacionalizar sequer a informatização dos processos de injunção, uma coisa tão simples que se resolveria com uma base de dados apta a, com um simples clique, disparar no próprio dia as notificações e, no termo do prazo, os «exequatur», estes de forma absolutamente automática, sem intervenção humana.
Os serviços jurídicos ocupam uma relevante parcela do mercado, em que não devem minorar-se os direitos dos consumidores, nomeadamente o do acesso a soluções jurídicas rápidas e perfeitas.
Enquanto os cidadãos e as empresas sofrem, estão no desemprego ou no subemprego dezenas de milhares de juristas que poderiam resolver os problemas que se enfrentam na justiça num lapso de tempo relativamente rápido.
Há o prurido de que um juiz tem que passar pelo «aviário dos juízes» - o CEJ. Mas trata-se de um falso prurido, quando o próprio Estado e os próprios magistrados advogam o recurso à arbitragem e a «meios alternativos» que até podem ser promovidos por não juristas.
Não vejo nenhuma razão – e ando nos tribunais há quase trinta anos – para que qualquer jurista não possa ser juiz, após um curto estágio, desde que não se mexa no sistema de recursos em termos de redução da possibilidade de recurso.
O que não pode continuar é a existência de juízes com doze mil processos, porque nenhum juiz consegue acompanhar, razoavelmente, mais de quinhentos. Por cada juiz com doze mil processos têm que ser admitidos, no mínimo, vinte e três, sob pena de terem que se incendiar os tribunais, para salva a reduzida honra da justiça.
Nem se diga que isso é impossível, porque importaria enormes encargos para o Estado.
Trata-se de um rotunda mentira a vários títulos.
Em primeiro lugar porque, se se aplicarem a justiça critérios de controlo da produtividade comuns na generalidade dos serviços (time-sheet por diligência, controlo automático de prazos, prémios de produtividade e sanções para a baixa produtividade) os tribunais, com os preços que praticam hoje, serão altamente lucrativos.
Em segundo lugar porque o mais elementar bom senso obriga a que se encare a justiça como um qualquer serviço e se estabeleça um sistema de contratação dos novos juízes que, sem afectar a sua independência, não os vincule senão temporariamente ao Estado.
No ponto em que as coisas estão não é claro que uma reforma como a que preconizamos venha a ter o apoio dos advogados através da organização corporativa que fala por eles e que os estrangula num colete de forças contrário às regras da União.
A advocacia é, talvez, a área dos serviços mais blindada por relação às regras da concorrência.
Uma reforma profunda do funcionamento do sistema judiciário, que o pusesse a funcionar em termos normais, seria um factor perturbador da concorrência podre em que vivemos e que assenta boa parte dos seus interesses na manutenção da ineficácia, que se faz render como valor.
Uma reforma profunda do sistema judiciário deixaria completamente a nu muitos dos que só sobrevivem com este ritmo – e que dele sabem tirar rendimento – abrindo as portas a milhares de jovens que estão sedentos por trabalho e dispostos a trabalhar as horas que forem precisas para recuperar o tempo perdido.
O maior problema do mercado jurídico nos tempos que vão correndo está em que, com a paralisação dos tribunais os jovens advogados, como aquele taxista que em dias de chuva me leva a casa, são obrigados a constatar diariamente que, como dizia Thomas Robert Malthus, «não há mais talheres na mesa da natureza».
Sintomática disso mesmo é a sugestão, dada há dias (ver 24 de Outubro) pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, num discurso subversivo do estado de direito democrático. O dr. Noronha do Nascimento disse, nem mais nem menos, que a crise só se ultrapassa «limpando o lixo que entope os tribunais», lançando um apelo à coragem dos políticos para a destruição dos processos excedentários.
O que caracteriza o estado de direito – e daí a origem da expressão – é a possibilidade efectiva de tutela jurisdicional de qualquer direito, com o mais rigoroso respeito legalidade do princípio de que a todo o direito corresponde uma acção e do princípio de que todo o cidadão tem o direito de exigir que os tribunais se pronunciem com adequada celeridade sobre as questões que lhes são colocadas.
A situação de crise atingiu um estado limite em Portugal.
Um simples inventário, destinado à partilha de bens, demora anos e anos, morrendo muitas vezes os herdeiros sem aceder às heranças. Um divórcio litigioso arrasta-se, por regra, ao ponto de os cônjuges serem obrigados a entender-se e a convolá-lo em mútuo consentimento. As falências – agora denominadas insolvências – são processos intermináveis, em que normalmente acabam destruídas unidades com valor económico, que se poderiam pôr em funcionamento, apenas porque o sistema não funciona.
As cobranças de dívida por via judicial são difíceis e demoradas, o que gerou um novo mercado, assente na extorsão e na ameaça, que parece ser aplaudido como meio alternativo.
Tudo isto acontece numa sociedade de mercado, onde a justiça é cara, é paga e deveria ser lucrativa e onde não faltam meios que permitiriam, se houvesse algum bom senso, ter um sistema primoroso.
Não tenho dúvidas de que um dos maiores problemas da justiça portuguesa reside no facto de ela assentar num sistema de castas.
São os juízes, marcados por vícios acumulados durante séculos e por um sindicalismo que atravessa a magistratura, desde o CEJ até à cúpula. Operários do sistema judiciário num dia, quando querem reivindicar melhores condições de trabalho, arrogam-se membros de um órgão de soberania quando precisam de afrontar os outros poderes.
São os magistrados do Ministério Público, cuja produtividade está sempre protegida pelo segredo de justiça, que não permite questionar em tempo os processos que não andam.
São os advogados, organizados numa estrutura corporativa, que serve cada vez mais para o lobbying pessoal do que para a defesa dos princípios éticos que fazem mover a profissão em todos os países civilizados. É, entre estes, uma multidão de desempregados ou de subempregados que não vê na Ordem senão uma bandeira de esperança para as suas lástimas, por via da criação de um sistema de ocupação de tempos livres que sempre vai dando para a bucha.
Chegou-se ao ponto de alguns membros do governo se disporem a vender as suas intervenções para financiar esse «esquema» de «trabalho social» que a Ordem vem fomentando para manter uma espécie de exército industrial de reserva.
Claro que a crise favorece esse modelo de justiça economicamente aliciante que é a arbitragem, plenamente justificada pela comprovada ineficácia da justiça pública. Nos dias de hoje só um tolo deixaria àquela a possibilidade de julgar conflitos milionários, sendo certo que nem o próprio Estado acredita na justiça que tem, acordando, por regra, na solução dos seus problemas por via arbitral.
E os pobres? As pequenas e médias empresas? Os cidadãos?
Parece óbvio que, se a justiça pública funcionasse, morreriam à nascença negócios bilionários ou haveria, pelo menos, tempo para que a aquisição de serviços jurídicos pelas entidades públicas não visse a sua falta de transparências sistematicamente justificada pela urgência.
São milhões, distribuídos por meia dúzia, sem concursos públicos nem publicitação dos contratos, num cambão permanente e numa conflitualidade de interesses que nunca vem à tona, protegida pelos diversos segredos, entre os quais o profissional.
O mínimo exigível seria que o Estado e as entidades dele dependentes publicitasse os contratos que faz com advogados e que, nestes tempos de choque tecnológico, os que são por ele contratados fizessem parte de uma lista, publicada na Internet, para boa defesa dos direitos dos consumidores.
O razoável seria que as contas dos advogados que prestam serviço ao Estado ou a entidades públicas fossem obrigatoriamente auditadas, tanto no que respeita aos serviços prestados como ao destino dos fundos recebidos.
A corrupção, nos tempos de hoje, passa essencialmente pelos fornecedores de bens imateriais como são os serviços de consultoria e os fornecimentos de software. É aquela lógica do toma lá um milhão, tira o imposto, vês quanto sobre, retiras dez por cento e dá cá o resto…
Vivemos, autenticamente, numa selva e é preciso acabar com ela.
Não sei se os actuais dirigentes do Ministério da Justiça têm uma rigorosa noção do que está a acontecer e por isso lhes dou até o benefício da dúvida. Seria grave que, tendo a noção da realidade e afirmando-se todos, sem excepção, europeístas convictos, nos arrastassem conscientemente para um terceiro-mundismo ainda mais profundo do que aquele em que estamos a viver.
A patética demonstração disso mesmo está na propagandeada deslocação de Alberto Costa a Angola, onde foi «vender» a «Empresa na Hora» e «Habilus», depois de uma viagem idêntica à América Latina, onde parece que encontrou interessados apenas na Bolívia.
Não é que a «Empresa na Hora» e o «Habilus» não tenham partido de boas ideias, como acontece com quase tudo. Tiveram é péssimas execuções, que destruíram quase tudo o que as ideias tinham de bom.
Não me refiro, no que respeita à primeira, à patética lista de denominações sociais disponíveis, para cuja elaboração, provavelmente os dirigentes do ministério pediram a ajuda dos filhos mais pequenos. Refiro-me, essencialmente, ao absurdo que consiste na imposição de contratos sociais pré-elaborados em que as partes não têm nenhuma hipótese de afirmar a sua vontade.
No que se refere ao segundo – o «Habilus» – trata-se de um sistema onde não é possível consultar quase nada, com excepção das «conclusões em folha em branco» cuidadosamente digitalizadas dia a dia.
Não tenho dúvidas de que uma boa parte dos problemas da justiça se resolverá com o recurso às novas tecnologias. Mas não tenho dúvidas, também, de que esta equipa ministerial é absolutamente incompetente, atentas as provas dadas e as ideias anunciadas para levar avante uma reforma que resolva o essencial dos problemas.
O erro maior das reformas é um autêntico «ovo de Colombo» e reside, essencialmente na duplicação de sistemas.
Antigamente, eu enviava um requerimento ao tribunal e o funcionário colocava o papel no processo e concluía-o ao juiz. Hoje eu envio o mesmo requerimento por correio electrónico e o funcionário é obrigado a imprimi-lo, a lançá-lo no «Habilus» e a colocá-lo no processo.
Quando o juiz despacha, o despacho vai para o funcionário, que o lança no «Habilus» e mo envia por correio (apesar de eu comunicar com o tribunal por correio electrónico).
Isto é, logicamente, um atraso de vida. O trabalho é muito mais – podemos dizer que duplicou - quando podia ser muito menos.
Sem entrar em questões técnicas – aliás há muito inventadas e disponíveis – parece-me acessível a elementar percepção de que, se não queremos andar para trás, se torna indispensável passar, de imediato e urgentemente, para a completa desmaterialização, sob pena de estamos condenados a seguir a doutrina do Dr. Noronha, incendiando todos os tribunais para os libertar do «lixo» acumulado.
As soluções existem e são simples e económicas. Poderíamos falar das ERP’s, nas suas variadas famílias. Mas talvez seja mais facilmente perceptível – e menos exigente – imaginarmos o novo processo como uma espécie de um «blog» em que as partes interagem com o juiz, sem necessidade da maior parte dos actos dos funcionários, com transparência absoluta para os interessados.
Ou passamos para esse estádio, com a maior urgência, ou o sistema ficará completamente bloqueado a breve prazo.
Dramático – verdadeiramente dramático – é que este governo não conseguiu operacionalizar sequer a informatização dos processos de injunção, uma coisa tão simples que se resolveria com uma base de dados apta a, com um simples clique, disparar no próprio dia as notificações e, no termo do prazo, os «exequatur», estes de forma absolutamente automática, sem intervenção humana.
Os serviços jurídicos ocupam uma relevante parcela do mercado, em que não devem minorar-se os direitos dos consumidores, nomeadamente o do acesso a soluções jurídicas rápidas e perfeitas.
Enquanto os cidadãos e as empresas sofrem, estão no desemprego ou no subemprego dezenas de milhares de juristas que poderiam resolver os problemas que se enfrentam na justiça num lapso de tempo relativamente rápido.
Há o prurido de que um juiz tem que passar pelo «aviário dos juízes» - o CEJ. Mas trata-se de um falso prurido, quando o próprio Estado e os próprios magistrados advogam o recurso à arbitragem e a «meios alternativos» que até podem ser promovidos por não juristas.
Não vejo nenhuma razão – e ando nos tribunais há quase trinta anos – para que qualquer jurista não possa ser juiz, após um curto estágio, desde que não se mexa no sistema de recursos em termos de redução da possibilidade de recurso.
O que não pode continuar é a existência de juízes com doze mil processos, porque nenhum juiz consegue acompanhar, razoavelmente, mais de quinhentos. Por cada juiz com doze mil processos têm que ser admitidos, no mínimo, vinte e três, sob pena de terem que se incendiar os tribunais, para salva a reduzida honra da justiça.
Nem se diga que isso é impossível, porque importaria enormes encargos para o Estado.
Trata-se de um rotunda mentira a vários títulos.
Em primeiro lugar porque, se se aplicarem a justiça critérios de controlo da produtividade comuns na generalidade dos serviços (time-sheet por diligência, controlo automático de prazos, prémios de produtividade e sanções para a baixa produtividade) os tribunais, com os preços que praticam hoje, serão altamente lucrativos.
Em segundo lugar porque o mais elementar bom senso obriga a que se encare a justiça como um qualquer serviço e se estabeleça um sistema de contratação dos novos juízes que, sem afectar a sua independência, não os vincule senão temporariamente ao Estado.
No ponto em que as coisas estão não é claro que uma reforma como a que preconizamos venha a ter o apoio dos advogados através da organização corporativa que fala por eles e que os estrangula num colete de forças contrário às regras da União.
A advocacia é, talvez, a área dos serviços mais blindada por relação às regras da concorrência.
Uma reforma profunda do funcionamento do sistema judiciário, que o pusesse a funcionar em termos normais, seria um factor perturbador da concorrência podre em que vivemos e que assenta boa parte dos seus interesses na manutenção da ineficácia, que se faz render como valor.
Uma reforma profunda do sistema judiciário deixaria completamente a nu muitos dos que só sobrevivem com este ritmo – e que dele sabem tirar rendimento – abrindo as portas a milhares de jovens que estão sedentos por trabalho e dispostos a trabalhar as horas que forem precisas para recuperar o tempo perdido.
O maior problema do mercado jurídico nos tempos que vão correndo está em que, com a paralisação dos tribunais os jovens advogados, como aquele taxista que em dias de chuva me leva a casa, são obrigados a constatar diariamente que, como dizia Thomas Robert Malthus, «não há mais talheres na mesa da natureza».
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