04 dezembro 2007

A crise da Ordem

Propositadamente, mantive um silêncio profundo enquanto durou a campanha eleitoral da Ordem dos Advogados.
Parece-me que, tal como a Justiça, a Ordem está literalmente falida e não acredito que alguém consiga devolvê-la à Dignidade.
Votei por vício - não por convicção. Mas a verdade é que nenhum dos candidatos me convenceu.
Não posso deixar de citar, para memória futura, o excelente texto do Dr. Gil Teixeira na Forlegis:
«Começa a fazer-se tarde, tenho a caixa dos pirolitos um pedacinho avariada, mas não queria deixar passar o momento do rescaldo das eleições da Ordem dos Advogados em branco, if not ainda se pensa que tenho pinta de mau perdedor because o bastão da dita não foi entregue ao Companheiro António Garcia Pereira. Sabe-se que não é este o modelo que defendo para a Ordem dos advogados, falta-lhe a representatividade da soberania popular, o verdadeiro garante da democracia, completamente estranho à sua democraticidade e organização internas, agravada ainda pelo facto de ali se praticar uma justiça “caseira”. Penso que não vale a pena pôr mais no romance, mas até hoje, os discordantes, ainda não conseguiram apresentar provas de facto de que as Ordens são entes jurídicos verdadeiramente democráticos, exogenamente (este palavrão é um bocado abstruso). Defender o contrário, como sempre tenho dito, é como defender que o Governo, melhor o povo, não precisa do Parlamento, a verdadeira e única fonte da soberania popular.

As Ordens são entes jurídicos onde tudo se passa intra-muros e sem a intervenção, e controle, de qualquer representante do poder soberano, no fundo agem sem contra-poderes, e sem a legitimação popular. Paradoxalmente as Ordens são penduricalhos do Estado. Vivem porque o Estado lhes dá vida em decreto e as deixa viver, mas sempre sob o comando e as instruções do Governo, abençoadas ao de leve pelo Parlamento. Veja-se por exemplo, a estrutura e a orgânica actual dos Conselhos Superiores de Magistratura. Portanto, as Ordens, repito pela enésima vez, são instituições que estão feridas de profunda inconstitucionalidade material. Simplificando, são inconstitucionais.

Todavia, andando para a frente, passe a mariquice que o nosso Companheiro José Madeira Amorim, o grande chefe de Marrocos de cima, e mandando às urtigas o protocolo, começo por saudar, e agradecer, a participação de todos os Colegas candidatos que o tenham feito imbuídos do melhor espírito, o serviço público em favor da associação. Como se sabe, onde está o bicho humano, há sempre a feira das vaidades, o prego na lapela, a cartola, o crachá, o emblema, o brinquinho na asa do nariz, e demais apetrechos usados pelos pavões. A meu ver, houve apenas um derrotado, o Colega Magalhães da Silva, talvez não tanto por demérito do Colega, mas por representar, ou ser aparentado, com “o sistema”, leia-se as forças do Governo. Assim, houve três vencedores, os Colegas, pela ordem, Marinho Pinto, Menezes Leitão e Garcia Pereira, e não me refiro a vitórias morais ou políticas.

Em relação a Marinho Pinto diria que foi triplamente vencedor, venceu as anteriores eleições a nível nacional, e venceu estas duas vezes, a soma dos seus votos anda perto ou ultrapassa a metade dos restantes, ainda não fiz as contas, mas isso não é relevante. Chamaram-lhe, ou apelidaram-no de “chefe dos descamisados”. Se isso for verdade temos de concluir que a Ordem, melhor, os advogados, têm de mudar de farda, em vez da toga os advogados deverão passar a envergar camisa e calças sem gravata, ou quiçá fato-macaco. A votação no Colega António Marinho revela um quadro, ou um cenário na advocacia que não pode ser ignorado. O rei, finalmente, veio para a rua descascado, perdão, em trajos menores, perdão de tanga, perdão, nuzinho.

Sem que a tanto estivesse obrigado, afirmo que não votei, e nunca tive qualquer contacto pessoal com o Colega Marinho Pinto, mas tenho o maior respeito por todos os Colegas que tiveram a coragem de o fazer, revelando com isso a face oculta da advocacia actual em Portugal. Marinho Pinto tem uma pena de grande qualidade, melhor que a oralidade, e não podendo fazer muito em matéria da “orgânica” da Ordem tem os media como plateau, e aqui pode ser um interveniente incómodo, querendo, para o Governo e outras forças instaladas em redor do Poder. O mandato é sempre curto ou demasiado comprido, e daqui a três anos vamos saber se nos soube a pouco ou nos matou a fome, ou se nos deixou com a água na boca. Tem algumas condições para fazer um bom governo, mas precisa do apoio de todos, e aqui a porca pode torcer o rabo. Há muitas quintas e quintais, e hortas, e herdades, e jeiras, e desconhecemos os dotes do Colega Marinho Pinto para a agricultura e horticultura. Fazemos votos, no entanto, que faça um mandato que se exige a um bastonário que use o bastão com inteligência, descomprometido, interventivo, inconformista, e em defesa dos direitos dos cidadãos, e da Justiça, e dos seus operadores.


Depois, o Colega Menezes Leitão também averbou uma vitória, sendo relativa, é verdade, mas “lutava” contra “o governo”, entenda-se Magalhães da Silva, e a outra metade cuja representatividade era garantida pelos outros candidatos. Essa vitória “menor” justifica a qualidade e a força do candidato e Colega Menezes Leitão no seio da Ordem dos advogados e como tal não pode ser ignorada pelo candidato vencedor.

Pessoalmente, não tenho pontaria para a eleição dos bastonários, e voto sempre nos candidatos das minorias. Penso que nunca elegi um bastonário. Seja como for sempre direi que o Colega António Garcia Pereira também foi um vencedor. Vozes mais iluminadas têm dito que se trata do “eterno candidato”. Ora bem, oxalá, como dizem os marroquinos donde provenho, o Colega Garcia Pereira seja o eterno candidato por muitos e longos anos. António Garcia Pereira é um visionário e como tal tem um relógio com um calendário diferente daquele que me foi oferecido pela minha querida mãe quando fiz quinze anos. É norma que os visionários façam sempre parte das minorias, e seria muito complicado se as maiores passassem a ter visões. O Colega Garcia Pereira é um cidadão eleito, e portanto não precisa das urnas para que se lhe reconheça esse estatuto. O Colega Garcia Pereira não “o Zé que faz falta”, mas o cidadão que a sociedade precisa. Garcia Pereira é um expoente da democracia e esse é o maior bem da humanidade. Por isso Garcia Pereira é sempre vencedor em quaisquer eleições.

Finalizando, uma palavra breve para o Conselho Superior. Discordo da alegada leitura que se faz em relação à votação no Conselho Superior, sendo maior do que a do Colega Marinho Pinto, significando maior legitimidade do que o bastonário eleito. Da minha banda votei no Conselho Superior eleito seguindo a lógica do anti-poder. Um Bastonário e um Conselho Superior independentes e fortes fortalecem a Ordem. Todavia, não despromovo primeiro, mesmo que a diferença de votos fosse substancial, em prejuizo do bastonário. O bastonário ainda é o dono do bastão, e o Conselho Superior é um orgão interno da Ordem, o tribunal, segundo se diz, mas cujo estatuto ainda não consta na constituição, penso.

Concluindo de vez, com toda a mariquice, endereço daqui os meus parabéns ao Colega Marinho Pinto, e que tenha o maior sucesso à frente dos destinos da Ordem dos advogados.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Prezado Sr. Miguel Reis,
Ao ler o seu "desabafo",senti um pouco de todo o sentimento que ora passo. Sou neta de Portugueses, e estou solicitando a minha dupla cidadania. Fui informada que não é dupla cidadania, mais sim Naturalização !? Acho meio confuso tudo isso. Enviei todos os documentos, paguei, estive no Consulado para assinar um Requerimento(?), e agora estou a aguardar, não sabem informar mais quanto tempo será necessário. Meu prezado senhor, SOS à Burocracia.
O que fazer?
Cleusa Maria
cleusasancho@globo.com