Todos os dias os jornalistas falam de corrupção e de violência,
porque tanto a corrupção como a violência vendem jornais; e as tiragens estão a
um nível miserável.
São muito poucas as condenações por crimes de corrupção; e
todas por valores miseráveis.
Parece que ninguém tem interesse em que se façam
julgamentos, em tempos decentes. E por isso se intoxica a opinião pública, sem
invocar factos e sem apresentar provas. Apenas para destruir pessoas.
É um círculo vicioso que ofende o principio constitucional
da presunção de inocência e o dever que os jornalistas têm de lhe dar respeito.
O artigo 373º do Código Penal diz o seguinte, sob a epigrafe
de corrupção passiva:
“1 - O
funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou
ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem
patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um
qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores
àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se
o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe
for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
O artº 374º do Código Penal define o crime
de corrupção ativa nos termos seguintes:
“1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu
consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por
indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial
com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um
a cinco anos.
2 - Se
o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de
prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
A simples análise dos textos
demonstra que a corrupção – ativa ou passiva – é denominação de tipos legais de
crimes que só se consumam se todos os seus elementos forem provados em juízo.
Entendo que é errado – e até
ilícito – afirmar que um individuo que cometeu determinados factos que podem
subsumir-se no crime de corrupção ativa ou de corrupção passiva é acusado da prática
desses crimes sem ser referirem quais são os factos
Tanto a acusação como a
pronúncia afirmam que o arguido praticou determinados factos e não que cometeu
determinado crime.
O
artº 283.º do Código de Processo Penal,
diz o seguinte, sob a epigrafe de acusação
pelo Ministério Público:
1 - Se
durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter
verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de
10 dias, deduz acuação contra aquele.
2 - Consideram-se
suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de
ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma
medida de segurança.
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As
indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A
narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao
arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o
lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o
agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da
sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A
indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com
o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as
que só devam depor sobre os aspetos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as
quais não podem exceder o número de cinco;
e) A
indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com
a respetiva identificação;
f) A
indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A indicação do
relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o
arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível
em função do superior interesse do menor;
5 - É
correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º, prosseguindo
o processo quando os procedimentos de notificação se tenham revelado
ineficazes.
6 - As
comunicações a que se refere o número anterior efetuam-se mediante contacto
pessoal ou por via postal registada, exceto se o arguido e o assistente tiverem
indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou
judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir no inquérito ou na
instrução, caso em que são notificados mediante via postal simples, nos termos
da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º
7
- O limite do número de testemunhas previsto na alínea d) do n.o 3
apenas pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta
da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos
crimes referidos no n.o 2 do artigo 215.º ou se o processo se
revelar de excecional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos
ou ao caráter altamente organizado do crime, enunciando-se no respetivo
requerimento os factos sobre os quais as testemunhas irão depor e o motivo pelo
qual têm conhecimento direto dos mesmos.
8
- O requerimento referido no número anterior é indeferido caso se verifiquem
as circunstâncias previstas nas alíneas b), c) e d) do n.o 4 do
artigo 340.º
A acusação em processo penal tem uma
natureza e uma função idêntica à petição inicial processo civil.
É um pedido do titular da ação penal
– que é o MºPº - para que se proceda ao
julgamento dos factos alegados pelo Ministério Pública e à verificação das provas
oferecidas, relativamente aos elementos do tipo legal de crime, entre os quais
se inclui a culpa.
Não se pode dizer que fulano
praticou um crime de corrupção ou é suspeito de um crime de corrupção. O que se
pode dizer é que o Ministério Publico o acusa da prática de determinados factos
e oferece determinados elementos de prova.
Nesse plano – o da investigação dos
factos – o jornalista tem todo o direito – e até o dever – de proceder a investigações
paralelas, ou seja a investigações de natureza jornalística,
O jornalista trata de factos e está
obrigado a respeitar o princípio da presunção de inocência, segundo o qual todo
o arguido se presume inocente atá ao trânsito em julgado de sentença condenatória.
Diz o artº 14º do Estatuto do Jornalista,
de Portugal, sob a epígrafe de deveres:
1 - Constitui dever fundamental dos
jornalistas exercer a respetiva atividade com respeito pela ética profissional,
competindo-lhes, designadamente:
a) Informar com rigor e isenção,
rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião;
b) (...)
2 - São ainda deveres dos jornalistas:
a)
(...)
b) (...)
c) Abster-se de
formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
...
Entendo que os jornalistas não devem
facilitar os julgamentos na praça pública nem aceitar ser peças do marketing do
MºPº, sob pena de incorrerem na prática do crime de tráfico de influência, para
além da violação do citado dever profissional.
Podemos estar perante crimes de tráfico
de influência, se se provar que alguém entregou aos jornalistas documentos que
não são conhecidos de ninguém, apenas para influenciar a opinião publicação
Há um
crime, tipificado no artº 325º do Código Penal, nos termos seguintes:
“Artigo 335.º Tráfico de influência
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o
seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para
terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para
abusar da sua influência real ou suposta, junto de qualquer entidade
pública, é punido:
a) Com pena de prisão de 1 a 5 anos, se pena mais
grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de
obter uma qualquer decisão ilícita favorável;
b) Com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal,
se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o
seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não
patrimonial às pessoas referidas no número anterior para os fins previstos na
alínea a) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. “
Parece-me obvio que, quem afirmar que determinada pessoa
cometer determinado crime, sem ter quaisquer provas dos factos, apenas porque
eles constam de uma acusação em processo que ainda não foi julgado, como o crime
de tráfico de influência, na versão do nº 2, pelo menos.
Ninguém acredita que são dadas cópias dos processos
aos jornalistas por causa da cor dos seus olhos.
Miguel Reis
Lisboa 10/11/2019
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