É urgente lançar um debate sério sobre os meios alternativos da justiça.
O que vem sendo dito não é honesto e os portugueses não merecem ser enganados de forma tão grosseira.
Importa afirmar, em primeiro lugar, que a política de promoção dos meios alternativos constitui, em si mesma, a mais acabada confissão da falência do actual sistema e da incapacidade política para o reformar.
O que se constata é que há vícios no funcionamento do sistema de justiça e não há a intenção de eliminar esses vícios de forma séria. Parece até haver a intenção de os agravar, como se poderosos interesses justificassem a criação de um novo mercado.
É evidente que se há trabalho a mais, só há uma solução para resolver tal problema: encontrar quem o realize.
Ora, o que acontece na justiça portuguesa é que, havendo trabalho a mais para os juizes, são eles próprios que defendem que o número de juizes não deve aumentar, o que constitui um absurdo. Os mesmos juizes apontam outros caminhos, como o da redução das possibilidades de recurso e a simplificação processual, todos eles adequados não a procurar uma justiça perfeita mas a aumentar o nível de discricionariedade e de incerteza.
O sistema está, realmente, podre. Jovens desembargadores e conselheiros que ainda não são velhos proferem decisões paradoxais, agarrados a interpretações simplificadoras dos processos.
Só um exemplo:
a) Estabilizou-se hoje o estúpido entendimento de que o objecto de um recurso tem que caber nas conclusões, que devem ser sintéticas, por natureza;
b) Se as conclusões forem longas, embora sejam a consequência lógica do que se alegou, com frequência os senhores juizes as mandam reduzir, como se tivessem preguiça de as ler;
c) Por mais brilhantes que sejam os argumentos e por mais lógico que seja o axioma de que as conclusões são consequência do que antes se alegou, com frequência os magistrados extraiem soluções jurídicas com absoluto contrasenso, como se lessem apenas as conclusões e nem passassem por cima do texto principal.
A má qualidade dos acórdãos tem vindo a crescer todos os anos, agravando o risco justiça. Mas ainda não atingimos uma situação que se possa qualificar de dramática, como a que teremos se se reduzirem as possibilidades de recurso.
Quando vivemos num tempo de propaganda dos direitos do consumidor, não se compreende que a qualidade da justiça não seja auditada de uma forma rigorosa, por entidades que não sejam dependentes dos subsídios ou de contratos negociados em função das cores dos olhos ou dos compadrios dos inquilinos dos palácios do poder.
Há coisas que são tão evidentes, que não resistem a nenhuma auditoria minimamente cuidadosa, como foi sobejamente demonstrado no mandato do bastonário José Miguel Júdice, com a publicitação de casos absolutamente arrepiantes.
Poderia ter-se optado por corrigir estes vícios e por tentar construir um sistema jurídico exigente e que oferecesse aos cidadãos garantias de qualidade.
É evidente que se tivéssemos uma justiça pública de qualidade - nomeadamente no plano da celeridade - não haveria mercado para os meios alternativos, para além dos niveis em que esses meios têm sido tradicionalmente usados.
É por demais evidente que a crise da justiça favorece os uso dos meios alternativos como meios prevalentes sobre a justiça pública.
Os primeiros interessados nesse modelo são, obviamente, os políticos.
Já hoje o Estado e as autarquias são os principais clientes das «justiças» alternativas, o que tem, à partida, dois tipos de vantagens para os políticos corruptos: o da gestão secreta dos conflitos, porque uma das marcas das decisões arbitrais é a do segredo, e o da contratação descricionária dos árbitros que melhor lhe convenham, em contraponto com a aleatoriedade da escolha dos juizes.
Depois, têm interesse na crise os privilegiados juristas que, por meios sempre obscuros, porque resultantes da inflência, conseguem ver os seus nomes inscritos nas listas de árbitros das mais variadas instituições.
A decisão dos grandes «litígios» sujeitos a arbitragem é hoje confiada a um reduzido número de juristas, sobretudo advogados, professores e juizes, que se movem nos corredores dos diversos poderes, cada eles comparável em sabedoria e bom senso com pelo menos cem pessoas igualmente capazes.
Com isto não digo mal da arbitragem, que recomendo há duas décadas aos meus clientes. Digo mal é da sua perversão e do tráfico de influências em que se encontra envolvida.
Parece óbvio que quem trabalha para o Estado (quem presta outros serviços ao Estado) não tem condições para ser árbitro num processo arbitral em que o Estado o nomeie ou em que intervenham colegas do seu escritório como advogados.
Outro vício da arbitragem é o dos circuitos fechados dos centros de arbitragem em cujas listas só conseque entrar quem tiver influência.
Essa influência reparte-se, depois, num outro plano que é o da partição do mercado pelos advogados das partes, naturalmente alinhados com os árbitros que cada parte escolhe.
No plano da «alta arbitragem» não tem qualquer relevância o valor - sem prejuizo do valor que possam ter os escolhidos, que o têm sempre. O que conta é a influência, ou para fazer parte das listas ou para ser escolhido nas arbitragens não institucionalizadas.
A crise da justiça tradicional permite, nesse plano, uma verdadeira fuga dos políticos à justiça por via da morte do juiz natural. E permite um secretismo total, como convém.
Jogam-se nessa área milhões de honorários: Mas joga-se, sobretudo, a influência que permite, pelas mesmas portas, a contratação de chorudas consultorias, também elas insindicáveis, porques secretas.
Depois é preciso criar junto da arraia miuda a ideia de que a crise é tão grande que justifica que os pequenos também tenham «outra saída» - a saída dos meios alternativos.
Estamos perante outra faceta da mesma fraude.
A justiça tradicional sempre teve alguns vícios, mas não tantos como hoje.
Sempre os advogados procuraram mediar ou conciliar os interesses das pequenas causas, em abono do velho princípio de que «mais vale um mau acordo do que uma boa sentença». Há até advogados que, não tendo jeito ou conhecimentos para litigar em processos judiciais, se transformaram em extraordinários mediadores e conciliadores de interesses.
A grande diferença que existe entre a moderna mediação e a velha conciliação está em que o mediador assume uma postura socrática, no sentido de adoptar um método que provoque um diálogo entre as partes envolvidas, de forma a que sejam elas, pelo seu esforço, a encontrar a solução.
Mais sofisticada que a clássica conciliação, recorrendo a técnicas da psicologia moderna, a mediação sempre foi usada, embora não se chamasse assim nem fosse realizada no respeito total por um conjunto de regras que se estabilizaram em cartilhas que começaram a ser adoptadas a partir dos anos 70, primeiro nas negociações políticas, depois nas questões de família e agora em todas as áreas.
A conciliação e a negociação têm a sua génese em tempos imemoráveis e, também por isso, não constituem nenhuma novidade.
Então porque promove agora o Estado esses novos meios e se prepara para os impôr em termos muito semelhantes aos que o regime corporativo adoptou?
Vamos falar disso nos próximos posts.
3 comentários:
Prezado Miguel,
Vivemos algo muito parecido aqui no Brasil. Meu blog, recente, procura, como o seu, incitar ao debate.
Sobre a conciliação, escrevi o post http://inteligenciajudiciaria.blogspot.com/2006/12/um-sete-um-judicirio.html Que fala do movimento da Justiça brasileira para incentivar a negociação entre os jurisdicionados.
Divido com o senhor a opinião de que a exagerada promoção dos meios alternativos de solução dos litígios e lides são um atestado cabal da ineficiência dos sistemas judiciais, além de configurar a oportunidade de toda a espécie de vícios.
Convido-o, portanto, a visitar o meu blog. Ele pretende discutir saídas inteligentes para o Judiciário que não sejam desse jaez.
Cordiais saudações.
Uma solução radical: elimine-se metade dos advogados. Ah, AH, a qualidade iria duplicar!!
Senhor doutor, seja mais sucinto, escreva menos para que se faça entender melhor.
O seu pessimismo revela uma personalidade totalitária
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