03 setembro 2008

Um jogo de vinganças

Escreve hoje o Diário de Notícias em editorial:



«Os factos são estes: Paulo Pedroso esteve formalmente acusado (Dezembro de 2003) pelo Ministério Público da prática de 23 crimes de abuso sexual, no âmbito do processo Casa Pia.

Antes, havia estado quatro meses e meio em prisão preventiva, entre 21 de Maio e 8 de Outubro de 2003. Em Maio de 2004 a juíza de instrução que tinha o processo decidiu não haver indícios suficientes para levar Paulo Pedroso a julgamento. Essa decisão foi ratificada pelo Tribunal da Relação em Novembro de 2005.

Já este ano o DIAP de Lisboa, por seu lado, decidiu arquivar a queixa de Paulo Pedroso contra os seis jovens cujos testemunhos tinham estado na base da detenção e acusação do ex-dirigente do PS.

A notícia de ontem segundo a qual terá sido cometido um erro grosseiro na detenção de Pedroso é coerente com esta sequência de decisões subjectivas, mas que todos os juízes, em alturas diversas, com certeza tomaram em consciência e com responsabilidade. Infelizmente, e apesar disso, este dramático processo é cada vez mais uma questão de fé entre aqueles que como Marinho Pinto, bastonários da Ordem dos Advogados, pensam que se tentou "decapitar a direcção do PS" e os muitos cidadãos que se interrogam sobre as razões que terão levado a que as violações às crianças da Casa Pia, incontestáveis e incontestadas, não tenham sido suficientes para um processo transparente, rápido e certeiro.

Nos Açores, num processo de contornos semelhantes mas envolvendo anónimos cidadãos, tudo aconteceu depressa, sem erros e com decisões acima de qualquer suspeita.

O processo Casa Pia há-de seguir o seu curso e daqui a uns anos a história projectará sobre ele a devida luz e classificará devidamente estas decisões que agora são "boas" e "más" consoante agradam ou não aos envolvidos.

Neste caso concreto há ainda duas reflexões, e uma pergunta, a fazer. A primeira das reflexões é a de que o cidadão Paulo Pedroso tem direito ao seu bom nome e a lutar por aquilo que considera ser a reposição da verdade.

A segunda é a de que não foi a prisão preventiva, que agora passa por ter sido um erro grosseiro, que lançou o anátema sobre Paulo Pedroso - esse adveio das acusações e dos depoimentos que o juiz de instrução se viu obrigado a trabalhar.

E a pergunta, que percorreu todo o dia de ontem, é esta: deve o Estado recorrer? - e é uma pergunta espantosa.

Por que razão o Estado, cuja tradição é recorrer de tudo, desde a tragédia do Aquaparque à verba devida à família da criança que caiu num esgoto aberto no Seixal, não iria recorrer desta vez?

Não seria difícil imaginar o que as pessoas que em Portugal viveram intensamente este caso, e não foi apenas uma, foram milhões, eventualmente pensariam.»


Não faço, propositadamente, comentários. É a comunicação social que temos, sem a mínima condição para a percepção da fenomenologia da justiça.

Ressalvado um ou outro jornalista, a generalidade não percebe népia do que se passa nos tribunais, escrevendo ao sabor da corrente e aproveitando o espaço que tem (num sistema de comunicação que é completamente fechado) para saldar os ódios dos próprios pequenos príncipes.

Sei do que falo, porque fiz toda a carreira, de estagiário a director de um diário. Mas fico triste quando constato que o jornalismo em Portugal, no século XXI, é isto: uma peça adicinal num jogo de vinganças.

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