02 março 2009

Guerras de alecrim e manjerona

Sob o título de «PORTUGAL, A JUSTIÇA, A ORDEM E A ADVOCACIA – AINDA HÁ ESPERANÇA DE FUTURO?» publicou o presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, no sítio do dito, este extenso relambório:


Discursou-se muito no dia da abertura do ano judicial. Disse-se, porém, muito pouco de concreto. Entretanto, o circo mediático da justiça louca, desnudada e maltrapilha assolou o país.
É necessária a reforma do Estado. E premente a ultrapassagem da crise da Justiça. É urgente a intervenção, a refundação e a unidade da Ordem para o restabelecimento do prestígio perdido.
É emergente parar com as atoardas. Com as especulações. Com as generalizações. E com as suspeitas. É emergente alterar o estado lastimoso a que chegou a nossa investigação criminal. Um passador. Uma peneira furada. E é imprescindível repensar as garantias do exercício da Advocacia. Porque nem sempre vale tudo.
Estamos mergulhados numa crise sem precedentes. Actuamos num mundo global. Vivemos numa época de convulsão, de modernidade e de inovação. Em que uns acham que vale tudo. Em que não há limites nem fronteiras. Em que nem a lei se cumpre…
A reforma do Estado passa por um novo paradigma de actuação dos seus agentes. Em que a lei seja, de facto, para cumprir.
A Justiça só se prestigia pela sobriedade dos seus procedimentos e pela qualidade das suas decisões, pelo justo reconhecimento da sua autoridade e pela resposta calma, mas corajosa, serena, mas firme, e legítima, mas efectiva, aos problemas concretos.
Se a máquina judiciária e os profissionais do foro são parte do problema não serão nunca parte da solução.
Não são suficientes o desassombro, a determinação, a decisão, a ambição, a competência e o empenho, reclama-se, também, contenção, racionalidade, diálogo, humildade, isenção e seriedade.
Não basta, pois, a palavra, exige-se o exemplo.
Há mundo, muito mundo, para além das headlines dos jornais e dos holofotes das televisões. Para além dos responsáveis da justiça, dos dirigentes da administração, dos notáveis dos partidos e dos arrufos mediáticos.
Há pessoas válidas na sociedade e nas instituições, desde logo também nas instituições não partidárias. Há que redefinir os actores principais da democracia. E esses são, também, os cidadãos e as instituições da sociedade civil. Não, apenas, algumas pseudo elites, os segmentos dominadores dos partidos ou as cabeças escondidas de alguns dos grupos económicos dominantes.
Temos, pois, que dotar os Cidadãos, as Ordens e as associações profissionais de reais poderes de intervenção na profissão, na justiça, na economia e na sociedade. E, em especial, há que fazer retornar o prestígio e a autonomia às instituições e, em concreto, retomar o lugar da Ordem dos Advogados no processo legislativo e decisório e na resolução dos principais problemas em matérias relacionadas com a administração e a justiça.
O exercício da advocacia não se limita à mera prática dos actos próprios da advocacia. Com maior ou menor qualidade. Mas sem maniqueísmos. Ou quaisquer pré-juízos.
Não tem o mínimo sentido exigir o fim da auto-regulação quando são os Tribunais a ter, sempre, a última palavra. Como não colhe o argumento seráfico da bondade da advocacia pública. Mais funcionários? Mais Estado? Mais dependência? Mais nepotismo? Claro que não basta reagir a mal às pretensões. Ou gritar mais alto, sem consequências, ou calar, sem coragem, enquanto outros sofrem e gemem.
É imprescindível ser proactivo nas acções em prol da justiça, da legislação, da igualdade e da plena cidadania. Lutar contra os hábitos arreigados, as leis injustas e defender as alterações necessárias. Actuando certeira e cirurgicamente. Sem berros e sem generalizações. Mas com soluções concretas e respostas para o dia seguinte.
E aí a Ordem dos Advogados deve ter, tem que ter, um papel fundamental. Mas sério. E institucional. Assim queira e possa!
Em concreto, o signatário não pode nem quer calar a sua revolta perante o clima de generalizada suspeição sem que uma palavra de rigor – e um basta! - se ouça de quem tem responsabilidades… e as não assume. Não basta dizer que não há suspeitos quando se lançam suspeições. A mancha já está disseminada. E é de difícil, senão de impossível, limpeza ou remoção.
É irrazoável, absurdo mesmo, falar em “terrorismo de Estado” ou em “mandados em branco”. Mas já não seria se se dissesse que são insuficientemente fundamentadas e desproporcionadas algumas decisões judiciais de intromissão em alguns escritórios de advogados. E quais e porquê. Obviamente em sede própria.
Todos concordamos que “nada justifica que alguém goze de especiais privilégios na aplicação da justiça”, mas já todos duvidamos de que “clara e inequivocamente… todos são iguais perante a lei”. E sobretudo temos sérias dúvidas de que a lei se cumpre sempre e, claro, sempre de forma isenta e sem olhar a quem…Não basta dizer que se investiga “sob a câmara escura de um segredo de justiça” quando a todos é escancarada de forma abjecta um conjunto de investigações e intromissões que deviam estar devidamente resguardadas até haver um mínimo de certeza sobre a existência ou a ausência de suspeitas fundadas, de crimes ou de indícios de factualidade típica.
Não é realista dizer que os magistrados “não se deixam influenciar, sugestionar, impressionar” por campanhas de desinformação. As pessoas são humanas e errar é também próprio da humanidade.
Se para uma justiça melhor, é necessário legislar melhor, também menos certo não é que para uma justiça razoável é necessário recato e bom senso. E estas raras qualidades não abundam, bem pelo contrário!
Será uma crise conjuntural? Ou uma loucura temporária? Ou, pior, será já o resultado de uma incapacidade estrutural? Uma crise sem precedentes? Ou um estado de demência social? Há esperança? Haverá futuro? Ou tão-só um presente (muito) envenenado?

Carlos Pinto de AbreuPresidente do CDL

O meu comentário é só este: isto bateu mesmo no fundo... Sem comentários.

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