17 janeiro 2010

Sigilo profissional dos jornalistas

Meia dúzia de notas em jeito de entrevista a um grupo de alunos da Universidade do Minho:

Encara o sigilo profissional do jornalista como um direito ou um dever dos jornalistas?



- O sigilo profissional do jornalista é essencialmente um direito. Em minha opinião é um direito profissional, com um profundo grau de pessoalidade. É ao jornalista que, em último grau, cabe tomar uma decisão sobre a postura que deve adotar relativamente à manutenção do sigilo.

Não significa isso que seja um direito pessoal, no sentido comum da expressão. E isso porque se trata de um direito instrumental do direitos dos cidadãos à informação.

O direito de sigilo foi instituído para assegurar a proteção das fontes de informação sem a qual aquele direito constitucional dos cidadãos é irrealizável. Secar-se-iam todas as fontes se ele não existisse.

Nesse sentido, o direito de sigilo importa também um dever, que consiste na obrigação de não denunciar as fontes se elas cumpriram a sua função, no quadro do momento da criação jornalística, que antecede, lógica e cronologicamente, o momento da própria expressão e o da divulgação.

O valor predominante em todo este processo é o do direito dos cidadãos à informação, a cuja realização está vinculado o processo da criação jornalística.

Ora se esse valor for ofendido, o jornalista tem o direito de denunciar a fonte; e nalgumas circunstâncias tem mesmo a obrigação de a denunciar, não podendo deixar de o fazer, nalguma situações, se quiser respeitar o referido direito constitucional.

Uma fonte que não cumpre o seu papel, uma fonte que engana é uma fonte inquinada e, por isso mesmo, deve ser descredibilizada.

Vou mesmo mais longe: deveria ser criminalizada a postura das fontes enganosas e deveriam os jornalistas poder constituir-se assistentes no processo, porque são prejudicado pelo engano.





Quando existe um conflito entre o que diz o código deontológico e o que diz a lei em vigor, o que deve prevalecer?



- Não vejo onde possa haver conflitos entre as regras deontológicas e as normas legais. São dois planos normativos completamente distintos. Um deriva do pensamento corporativo e dos princípios que o mesmo consensualiza, num dado momento, para estabelecer limiares e limites para o exercício da profissão. É meramente indicativo.

Outro é imperativo, porque deriva das leis.



Da sua experiência profissional, considera que o sigilo profissional do jornalista constitui uma segurança para as fontes, para o jornalista ou para ambos?



- O sigilo profissional é, essencialmente, uma garantia constitucional do direito dos cidadãos à informação. Ele garante às fontes que forem fidedignas que o jornalista, que o gere, as não denunciará. Mas confere ao jornalista, como gestor desse direito, a liberdade para as denunciar – até no quadro dos processos informativos – se as fontes forem oportunistas, desleais, falsas. Aí sim, nesse plano, cumpre aos jornalista fazer apelo a alguns princípios deontológicos relevantes.



Qual a sua opinião em relação ao desenrolar do caso do jornalista Manso Preto?


- Conheço mal o caso. Li muito apressadamente o livro da Helena de Sousa Freitas, que é uma visão jornalísticas do caso judicial, marcado por uma compreensiva militância. Esse livro não me esclareceu nada mas deixou-me muitas questões por responder.

De uma coisa não tenho dúvidas: os jornalistas não podem fazer com as fontes o mesmo que as polícias fazem com os criminosos e que até já aparece retratado nas telenovelas. Entendo que não é lícita a negociação com as fontes em termos que evitem a produção de informação rigorosa e completa. Aí, pondo-se em causa o bom cumprimento do direito dos cidadãos à informação, o edifício pode ruir… E pode haver razões que justifiquem que um tribunal decida a quebra do sigilo profissional.



Pensa que a Polícia Judiciária e os tribunais usam os trabalhos dos jornalistas para mais rapidamente atingirem os seus objectivos?



- Nós vivemos numa sociedade de informação. É absolutamente natural que tanto as polícias como os tribunais usem e se questionem sobre o que é publicado nos meios de comunicação social.

Não vamos enterrar a cabeça na areia e ocultar uma realidade que é de todos nós conhecida: a recolha da informação policial resulta, em muitas situações, de uma negociação em que o jornalista procura dados adicionais por relação aos que tem e em que a polícia procura o mesmo. Quem não entrar neste jogo não tem informação, correndo o risco de ter que copiar a noticia do concorrente no dia seguinte.

Talvez seja esse um dos campos em que o jornalista tem que fazer maior apelo às regras deontológicas, para não deixar de o ser transformando-se num bufo.

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