Depois de andar a acusar-me de lhe dirigir
ataques pessoais, a sra. ministra da Justiça veio agora responder à denúncia
que eu fiz de ter usado o cargo para favorecer o seu cunhado, Dr. João Correia.
Diz ela que não tem cunhado nenhum e que isso até se pode demonstrar com uma
certidão do registo civil. Já antes, com o mesmo fito, membros do seu gabinete
haviam dito à imprensa que ela é divorciada.
Podia explicar as coisas recorrendo à
explícita linguagem popular ou até à fria terminologia jurídica que têm termos
bem rigorosos para caracterizar a situação. Vou fazê-lo, porém, com a linguagem
própria dos meus princípios e convicções sem deslizar para os terrenos
eticamente movediços em que a sra. ministra se refugia.
A base moral da família não está no
casamento, seja enquanto sacramento ministrado por um sacerdote, seja enquanto
contrato jurídico homologado por um funcionário público. A base moral da
família está na força dos sentimentos que unem os seus membros. Está na
intensidade dos afectos recíprocos que levam duas pessoas a darem as mãos para
procurarem juntas a felicidade; que levam duas pessoas a estabelecerem entre si
um pacto de vida comum, ou seja, uma comunhão de propósitos existenciais
através da qual, juntos, se realizam como seres humanos. Através dessa comunhão
elas buscam em conjunto a felicidade, partilhando os momentos mais marcantes
das suas vidas, nomeadamente, as adversidades, as tristezas, as alegrias, os
triunfos, os fracassos, os prazeres e, naturalmente, a sexualidade.
O casamento, quando existe, agrega tudo isso
numa síntese institucional que, muitas vezes, já nada tem a ver com
sentimentos, mas tão só com meras conveniências sociais, morais, económicas ou
políticas. Por isso, para mim, cunhados são os irmãos das pessoas que, por
força de afectos recíprocos, partilham entre si, de forma duradoura, dimensões
relevantes das suas vidas.
É um gesto primário de oportunismo invocar
a ausência do casamento para dissimular uma relação afectiva em que se
partilham dimensões fundamentais da existência, unicamente porque não se tem
coragem para assumir as consequências políticas de opções que permitiram que
essa relação pessoal se misturasse com o exercício de funções de estado,
chegando, inclusivamente, ao ponto de influenciar decisões de grande relevância
política.
Tal como o crime de violência doméstica pode
ocorrer entre não casados também não é necessário o casamento para haver
nepotismo. Basta utilizarmos os cargos públicos para favorecermos as pessoas
com quem temos relações afectivas ou os seus familiares. Aliás, é, justamente,
aí que o nepotismo e o compadrio são mais perniciosos, quer porque são mais
intensos os afectos que o podem propiciar (diminuindo as resistências morais do
autor), quer porque pode ser mais facilmente dissimulado do que no casamento,
pois raramente essas relações são conhecidas do público.
Aqui chegados reitero todas as acusações de
nepotismo e favorecimento de familiares que fiz à Sra. Ministra da Justiça. Mas
acuso-a também de tentar esconder uma relação afectiva, unicamente porque não
tem coragem de assumir as consequências políticas de decisões que favoreceram o
seu cunhado, ou seja o irmão da pessoa com quem ela estabeleceu essa relação. Acuso
publicamente a Sra. Ministra de tentar tapar o sol com a peneira, procurando
dissimular uma situação de nepotismo com a invocação de inexistência de casamento,
ou seja, refugiando-se nos estereótipos de uma moralidade retrógrada e
decadente.
A sra. ministra da Justiça tem o dever
republicano de explicar ao país por que é que nomeou o seu cunhado, dr. João
Correia, para tarefas no seu ministério, bem como cerca de 15 pessoas mais,
todas da confiança exclusiva dele, nomeadamente, amigos, antigos colaboradores
e sócios da sua sociedade de advogados. Isso não é uma questão da vida pessoal
da Sra. Ministra. É uma questão de estado.
A.M.P.
Nota: Desorientada no labirinto das suas
contradições, a sra. ministra da Justiça mandou o seu chefe de gabinete
atacar-me publicamente, o que ele, obediente, logo fez, mas em termos, no
mínimo, institucionalmente incorrectos. É óbvio que não respondo aos
subalternos da sra. ministra, por muito que eles se ponham em bicos de pés.
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