Tomou
posse, no passado dia 12/3/2020 a Comissão de Defesa dos Atos Próprios da
Advocacia, a quem incumbe, especialmente, o combate à procuradoria ilicita.
O presidente da comissão é o prestigiado advogado Dr. João Silva
Carapeto, sendo vogais o Dr. José Alexandre
Policarpo, o Dr. Trindade Martins e os membros designados pelos Conselhos
Regionais, que são o Dr. Paulo Brandão pelo Conselho Regional de Lisboa, a Drª
Maria José Rego pelo Conselho Regional do Porto, a Dra. Maria de Fátima Duro
pelo Conselho Regional de Coimbra, o Dr. Arlindo Bispo Chambel pelo Conselho
Regional de Évora, o Dr. Eurico Alves pelo Conselho Regional de Faro, o
Dr. Rui Antero Pestana pelo Conselho Regional da Madeira e o Dr. José Luís
Pontes pelo Conselho Regional dos Açores.
Na tomada de posse, disse o Dr. João Carapeto:
Ex.mo
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses,
meu
Bastonário!
Permitir-me-á
que na pessoa de Vossa Excelência cumprimente todos os Advogados presentes
nesta ocasião.
Permitir-me-á,
igualmente, que publicamente agradeça a Vossa Excelência o convite que me
endereçou para presidir neste triénio aos trabalhos (e que trabalhos vão ser!)
da Comissão de Defesa dos Atos Próprios da Advocacia (CDAPA).
Permitir-me-á, igualmente, que agradeça a
disponibilidade dos restantes nove elementos que, comigo, acabam de tomar posse
enquanto membros da CDAPA.
Estou
seguro de que, em conjunto e em estreita e leal colaboração, tudo faremos para
dar resposta aos desafios que a atualidade coloca à Profissão no que a esta
matéria tão sensível diz respeito.
Há
pouco mais de quinze anos (a lei dos Atos Próprios 49/2004 é de 24 de agosto),
definiu, pela primeira vez na nossa história legislativa, atos próprios dos
Advogados – e dos solicitadores, igualmente.
E
se não é este o tempo de se fazer a análise do tempo histórico em que ela
surgiu, é seguramente tempo para afirmarmos que ela não chega!
Ter
consagrado a ilicitude contraordenacional e mesmo criminal da prática de atos
que são próprios da nossa Profissão não mudou tão radicalmente quanto se
esperava (se é que, de facto, se esperava) a visão que a comunidade tem desses
atos e dos profissionais que a eles estão habilitados; por outro lado, se temos
de reconhecer que a Lei foi um avanço, neste momento, é notória a
desatualização da normatividade vigente face aos desafios que o tempo e a
política lhe foram pondo à frente.
E,
não tenhamos medo de o afirmar, andamos há tempo demais a esconder a cabeça
debaixo da areia e nem sempre a culpa foi “só” dos outros.
Cometemos
erros que se podiam ter evitado: - entre eles, não termos sabido superar dois
comportamentos perigosos: o que vem da ideia “sempre fizemos assim” e o que é
nasce da ideia “nunca fizemos assim”; - mas, não menos, o de acharmos que
basta, para resolver os problemas, que nos fechemos dentro de portas com
reflexões belas na escrita, mas que só são eficazes nos papéis onde as tenhamos
posto; como digo há anos, é imperioso que deixemos de encontrar, nesta nossa
casa, dirigentes da Ordem dos Advogados a falar para dirigentes da Ordem dos
Advogados sobre assuntos que só interessam aos dirigentes da Ordem dos
Advogados!
Porque,
meus caros, não é com palavreado bonitinho, passe a expressão, mas com ação
concreta que podemos fazer alguma coisa pela dignificação dos Atos Próprios da
Advocacia!
Meu
Bastonário, meus Colegas,
Já não são só as funerárias, as agências de
contribuintes e de registos, as agências de trespasses, as imobiliárias, a pôr
em causa o papel do Advogado e da Advocacia na defesa do cidadão. O próprio
Estado mandou dizer, em letra de lei, que os senhores Contabilistas
Certificados passam, também eles, a ter o múnus que nos era exclusivo: o de
“ser chamado para estar ao lado do cidadão”.
Ainda
esta semana, veio a lume na comunicação social a notícia de que, perdida a
batalha em 2018 para a regulamentação (leia-se a normalização) das empresas de
cobranças de dívidas, um dos partidos com assento parlamentar – e que no nosso
Parlamento tem especiais responsabilidade – volta à carga, regulando (de uma
forma enviesada, é certo, mas regulando) precisamente essa atividade…
E
há tantas outras situações que deixámos, enquanto Ordem, de querer combater…
Quantas
vezes já ouvimos funcionários de registo dizer nas Conservatórias do Registo
Civil que o Advogado só atrapalha?
Quem
de nós não leu algumas das minutinhas (“pérolas de má formação”
técnico-jurídica) que esses mesmos trabalhadores do Estado espalham como sendo
a forma ideal de os pais procederem à Regulação do Exercício das
Responsabilidades Parentais dos seus filhos aquando de um Divórcio por Mútuo
Consentimento?
Ainda
a semana passada, me insurgi publicamente contra uma decisão publicada pelo
Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que (sic) afirmava o
seguinte: «O CDSJ questionou a jornalista (….) sobre a queixa contra ela
apresentada. A jornalista (….) respondeu ao CDSJ, (…), igualmente por mail e em
resposta individual e pessoal, sem recurso a advogado, prática que o CDSJ
saúda.».
Para cúmulo dos cúmulos – passe a expressão –
temos a Autoridade da Concorrência a fazer-se passar por câmara de eco da
posição da OCDE e, fazendo de conta que não entende que a Advocacia não é (nem
quer ser, nem pode ser!) uma atividade comercial, a querer (para além de outros
disparates, como licenciados em outras áreas que não o Direito a poderem aceder
à Advocacia, ou a extinção da autorregulação da Profissão) exigir do legislador
uma maior desregulamentação dos atos próprios dos Advogados, como se valesse a
pena acreditar que pode, de facto, ser vantajoso para a cidadania e para o
Estado de Direito uma (não demonstrada!) poupança de uma poucas dezenas de
milhões de euros numa economia como a nossa, que teve um PIB, em 2019, de mais
de duzentos e doze mil milhões …
Meu
Bastonário, meus Colegas, Não podemos continuar a fechar os olhos a todos estes
e aos demais casos em que, denegrindo a Profissão e prejudicando os cidadãos,
continuam a exercer os atos que são nossos.
Temos
de ser nós a demonstrar a essencialidade da Profissão!
E,
sob o meu ponto de vista, a eficácia dessa demonstração há de aferir-se pela
alteração da imagem que de nós tem a comunidade: temos de convencer os cidadãos
e as empresas de que estão desprotegidos e podem ser severamente prejudicados
em todas as vezes que vão a qualquer instância onde a justiça se deve fazer sem
estarem acompanhados daqueles que têm por vocação precisamente essa: a de estar
ao seu lado…
É
cada vez mais notório que urge alargar a perceção da sociedade de que os
Advogados são parceiros e não adversários dos locais onde a justiça se vai
fazendo, mesmo fora dos tribunais: temos de nos antecipar aos que,
paulatinamente, vão tentando passar a ideia de que não fazemos lá falta e
fazê-los perceber que sem Advogados a justiça será sempre “defeituosa”.
Trabalhar
com centros de arbitragem, com as CPCJs, com os Julgados de Paz, com as
próprias Conservatórias dos Registos e trazê-los a todos (como a nós próprios!)
para a luta pela demonstração dos benefícios de cidadania que os Advogados
trazem ao sistema de Justiça é imperioso.
Só
daí advirá a crescente consciencialização da essencialidade da Profissão…
E
nunca serão demais os esforços que façamos para que isso se alcance: campanhas
publicitárias assertivas e que tragam uma linguagem nova à nossa mensagem
dirigida à comunidade; contactos nesse mesmo sentido com as instâncias de poder
formal e informal com quem não devemos ter medo de contactar e de quem exigir
mudanças de comportamento; apelo ao esforço de todos os Advogados para que
sejam portavozes dessa nossa mensagem; estas entre outras que em conjunto e em
equipa, espero viremos a definir, porque relevantes para o fim essencial…
E
esse será um primeiro eixo (que anda de mãos dadas com a demonstração das
vantagens da Advocacia Preventiva) sobre o qual nos teremos de debruçar.
O
segundo eixo, sob o meu ponto de vista, será o de definir estratégias de
combate àqueles que, esporádica ou profissionalmente, praticam atos que são
nossos no dia a dia.
Essas
estratégias terão de ser concertadas entre os vários órgãos nacionais e
regionais da nossa Ordem e partirem de dois pressupostos quanto a mim
importantíssimos: o primeiro, o de que a CDAPA não pode (nem alguma vez
quererá) imiscuir-se nas competências de outros órgãos da Ordem, nomeadamente
dos seus Conselhos Regionais; o segundo, de que urge a definição conjunta de
novos mecanismos de atuação orgânica (nunca supra-orgânica!) especialmente –
mas não só! – naquelas situações que extravasam os limites territoriais de cada
uma dos Conselhos Regionais e acabam por ter, seja porque razão for, uma
abrangência maior que os seus limites territoriais, quantas vezes, até
nacional.
O
tempo é de urgência! E estou certo de que todos saberemos que as “capelinhas” a
que cada um deu demasiada importância no passado são causa de dano e não de
vantagem para o coletivo…
O
terceiro eixo – sem dúvida o mais importante, razão pela qual o deixei para o
final desta intervenção – será a definição, uma nova definição do que sejam os
atos próprios da Advocacia.
Esta
é talvez a matéria relativamente à qual entro em funções – e espero que
entremos todos, os agora empossados – com menos “ideias feitas” ou, se se
preferir, com menos certezas.
Sei
(disso estou mesmo seguro) que é à fonte (às várias fontes) da Advocacia – nas
suas diversas formas de exercício e nas suas diferentes formas de estar – que
teremos de ir beber as ideias chave para as propostas que nos cabe apresentar.
E tenho a forte convicção de que é imperioso que não prescindamos de um
alargamento efetivo do catálogo de quais sejam os Atos Próprios da nossa
Profissão:
-
um alargamento, desde logo, quantitativo: é imperioso que a tutela que é dada
aos nossos atos próprios não só não diminua, como que passe a visar um maior
número de intervenções em defesa do cidadão face ao insuficiente catálogo
atual; mas, mais importante,
-
um alargamento na qualidade (ou, talvez mais corretamente, na qualificação) do
que sejam os Atos Próprios dos Advogados; e de uma coisa não podemos
prescindir, sob pena de perdermos de vez a guerra contra os que querem que não
sejamos os únicos a ser chamados para estarmos ao lado do cidadão: há atos que
são mais que atos próprios: são atos que têm de ser exclusivos!
É
essa a visão da CDAPA que o Senhor Bastonário nos desafia a ter.
Temos
consciência de que o desafio é enorme. Mas sei que tudo faremos para estar à
altura de quem no-lo lançou e da sua dimensão! Ao trabalho!
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