11 fevereiro 2013

Reflexão antiga sobre a mesma angústia

Escrevi este texto em novembro de 2006. E tudo piorou...

«Falência - Diz-se que uma empresa se encontra em falência técnica quando o Passivo é superior ao Activo, ou seja, a Situação Líquida é negativa.
Falência é o ato de decretar o fim das atividades de algo: o fim de uma empresa, de uma sociedade, de um império, dos órgãos do corpo humano. Falta, erro, omissão, engano.

Evitando a Falência da Empresa - Manter uma empresa viva, torna-se nos conturbados dias atuais, um dos maiores desafios de qualquer administrador. As rápidas alterações ambientais de mercado que tem de ser levadas em consideração, superam em muito a capacidade de vários gestores. Na maior parte das vezes lhes falta a formação necessária para enfrentar esses desafios, em muitas outras, a falta é de visão. A formação como empresário ou dirigente precisa ser ágil o suficiente para permitir agir a tempo nas situações de risco, para as quais a informação é seu mais poderoso aliado.»


 

A Justiça é – desde os primórdios – o lugar geométrico por excelência do Direito que, na definição de Ulpinus, se afirmava numa lógica de triângulo.

O famoso jurista justinianeu definia o Direito (Jus) como a síntese do viver honestamente (honeste vivere), não lesar os outros (alterum non laedere) e dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).

A realização da Justiça e o progresso do Direito ao longo dos séculos têm marcas profundas da nossa Aug;.O;., pelo que se justifica que, nestes tempos conturbados, se abra uma nova reflexão sobre a problemática de uma e do outro, num tempo de mudança tão importante como foram outros tempos de rotura.

O problema não é novo mas agravou-se.

Já há 35 anos um colega meu, de que não lembro o nome – um caloiro atrevido com uma intelectualite aguda – suscitada, à margem das aulas de Introdução ao Estudo do Direito do Prof. Castanheira Neves, o problema da sobrevivência do Direito na Sociedade Tecnológica.

Isso quando os programadores tinham conseguido dar os primeiros grandes passos na inteligência artificial e se alertava para o risco de, perversamente, os juízes poderem ser substituídos por máquinas.

O mesmo tipo de receio foi difundido pelo cinema, anos mais tarde, por exemplo no 2001 – Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick

Nestes 35 anos deram-se saltos de gigante e operaram-se mudanças profundas, tanto no Direito como nas tecnologias.

E o que é dramático é que, no campo da Justiça, se abriu, em quase todos os países ocidentais  uma crise de dimensões nunca constatadas, que parece ameaçar a própria sobrevivência do Direito, tal como o entendemos há gerações.

As noticias que hoje lemos nos jornais e na Internet, dão-nos a ideia de que há uma crise global nas justiças.

Poucos são os países do Mundo em que é possível cobrar uma dívida em tempo razoável ou em que pode ter-se a pretensão de obter uma decisão jurisdicional para a defesa de um direito em tempo útil.

O absurdo é tanto maior quanto é certo que os meios de que, globalmente, se socorrem as justiças são incrivelmente poderosos e o número de operadores se multiplicou quase em progressão geométrica.

Para uns parece haver uma mão invisível que bloqueia os sistemas judiciários de forma a que eles não possam afirmar a vitalidade suficiente para resolver os problemas que lhe são suscitados pela globalização.

Para outros não há mais do que um fenómeno de adaptação das sociedades e das políticas ao novo  mercado e à nova sociedade emergente da globalização.

Junto-me, naturalmente, a estes últimos.

Ninguém ousa pôr em causa de forma directa o modelo tradicional da realização da justiça – ou seja do que é praticado pelos tribunais[1]. Mas a verdade é que, de forma directa ou subreptícia, o que se vem fazendo à escala global corresponde a uma destruição de elementos essenciais do modelo.

Ainda recentemente, o novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, qualificava como «lixo» boa parte dos processos que ocupam os tribunais e apelava à coragem política para o limpar.

Em todo o Mundo – e também em Portugal – os governos promovem «meios alternativos» e apelam ao recurso massivo aos tribunais arbitrais, que instituem como tábua de salvação para a regulação dos conflitos.

Isto é tanto mais absurdo quanto é certo que o recurso às novas tecnologias permitiria poupanças formidáveis (de tempo e de dinheiro) e a rentabilização dos tribunais em tempos de lhes permitir uma actividade auto-sustentada pelos seus próprios recursos.

Os absurdos têm sempre uma lógica e essa lógica, no que respeita ao funcionamento do judiciário tradicional, parece-me cada vez mais evidente.

O Estado mudou em todos os planetas.

A globalização deu origem a um imenso mercado. E o mercado da consultoria e dos serviços jurídicos é dos mais promissores, como o são sempre todos os mercados pouco transparentes.

Esse mercado só é interessante, de um ponto de vista estratégico, se os tradicionais aparelhos judiciários entrarem em rotura e deixarem de satisfazer as necessidades dos cidadãos e das empresas.

Aí se abrem portas a negócios extraordinários, conduzidos à escala global por quem se posicionar nos melhores locais estratégicos.

Em Portugal, a previsão da despesa consolidada do Ministério da Justiça para o próximo ano é de 1.289 milhões de euros. Não se prevê que, apesar de tão elevado número, os tribunais vão funcionar melhor, porque parece que  ninguém está interessado nisso.

Aliás, é o próprio Estado quem investe (e fortemente) nos meios alternativos, que não são mais do que uma promoção dos meios alternativos privados.

É um sinal dos tempos, coerente com outros.

Também antes era o Estado quem tinha as suas próprias ideias. E hoje fazem-se concursos de ideias, encomendam-se projectos de lei e contratam-se auditorias externas para validar os negócios públicos.

As auditorias são como os pareceres – dizem sempre, como ensinava Calamandrei,  o que interessa a quem as paga.

No que respeita aos tribunais, em Portugal é o próprio Estado quem menos acredita nos tribunais públicos. Fora dos casos em que a iniciativa é dos particulares, em quadros de ausência de convenção arbitral, os grandes negócios em que intervêm as pessoas colectivas públicas são dirimidos de forma privada em tribunais arbitrais.

Apenas a título de exemplo, cito os jornais para lembrar que as «vítimas» da Casa Pia já foram indemnizadas, por decisão de um tribunal privado, apesar de ainda estar longe do fim o julgamento em que se discute a questão de fundo.

Há centenas ou milhares de outros casos, de que temos noticias aqui ou ali pelos jornais, mas cujos contornos e cujos detalhes se não conhecem, por serem, por natureza, reservados.

Para o próximo ano anuncia-se o início da mediação penal, que não constitui outra coisa que não seja o alargamento do mercado à área penal e a privatização parcial dessa área.

Do mesmo modo, está anunciado o fim do tradicional sistema de apoio judiciário (que constituía uma forma de apoio ao início de carreira dos jovens advogados) substituindo-se tal sistema por um outro assente na contratação de grandes lotes de processos e no pagamento de avenças pelo seu patrocínio.

 

É evidente que  o sistema de justiça, tal como o conhecemos hoje, está falido, porque não consegue responder em tempo razoável às solicitações que lhe são feitas.

Não há sequer dados rigorosos sobre as pendências nos tribunais.

Na apresentação do Orçamento do Estado que o Ministro da Justiça fez recentemente, os dados citados são de 2004 e apontam para a pendência de mais de 1.100.000 processos nos tribunais cíveis e um número não verificável de  processos criminais, com mais de 104.000 arguidos.

Estamos perante um mercado fantástico, passível de gerar biliões de euros a vários operadores, desde os projectistas das leis aos advogados.

É óbvio que não se pode dizer isto directamente, porque do outro lado está a força poderosa dos juízes e a pesada máquina dos funcionários de justiça.

Parece óbvio, também, que seria possível modificar o sistema de forma adequada ao seu funcionamento.

Como alternativa à falência, poderia pensar-se na recuperação da empresa.

Mas, tal como acontece muitas vezes no comércio, ninguém parece interessado nisso.



[1] É conhecida a definição do romanista espanhol Álvaro Dors que dizia que «derecho es lo que hacen los jueces».




Sem comentários: