02 junho 2006

Fui visitar o Vitor Trindade à cadeia de Caxias. Conheço-o há mais de vinte anos e aceitei defendê-lo no chamado «caso Passerrelle», do qual não posso, obviamente falar porque tudo está encoberto pelo famigerado segredo de justiça.
Estou cada vez mais convencido de que este instituto serve apenas para uma coisa: encobrir as próprias deficiências da investigação criminal e do sistema judiciário.
O Vitor foi preso no dia 7 de Janeiro, há quase cinco meses, não sabendo por que razão está preso.
Eu, como seu defensor, também não sei, porque em Portugal os advogados não têm acesso nem aos processos nem às provas durante um longo período em que o processo está sujeito a um regime de segredo de justiça.
Este sistema permite que pessoas inocentes sejam colocadas na prisão por longos períodos, sem que haja fundamento para tal e sem que os responsáveis por essa barbárie sejam responsabilizados.
Os factos que foram apontados a este homem são tão vagos que ele não pode contradizê-los. Isso torna a defesa impossível.
Depois, há em tudo isto um absurdo: se há fundamentos para ordenar a prisão de um indivíduos – ou seja, se há indícios suficientes para concluir que ele seria condenado na hipótese de ser levado a julgamento – porque não se deduz imediatamente uma acusação.
Quando digo imediatamente digo em dez ou quinze dias, que a liberdade é o valor mais precioso que um homem tem.
Infelizmente, esta não é uma excepção. A experiência diz-nos que há centenas, milhares de pessoas que cumprem milhares de anos de prisão preventiva e que depois são dados como inocentes.
E ninguém se indigna com isto.
É óbvio que só há uma maneira de resolver este problema: alterar as leis e responsabilizar pessoalmente os autores de «informações» que depois não se confirmam e os que as valorizam em termos de lhes darem a credibilidade suficiente para suportar a decisão de retirar a liberdade a uma pessoa.
Não faz nenhum sentido que os juízes não possam ser pessoalmente responsabilizados, no plano civil e no plano criminal, quando se verificar que não havia o mínimo fundamento sério para decretar uma medida de prisão preventiva.
Não há democracia com juízes irresponsáveis e imunes. A Justiça passa, antes de tudo, pela responsabilidade dos diversos operadores.
Saí comovido da cadeia… E revoltado, sem resposta para as perguntas que o Vitor me fez.
Claro que recorremos, mas passaram já quase cinco meses e não houve nenhuma decisão.
Interposto o recurso, o Ministério Público teve 15 dias para sobre ele tomar posição.
Chegado à Relação,o Ministério Público da segunda instância tem 10 dias para apor o seu visto ou tomar posição sobre o que foi escrito pelo magistrado da primeira instância, podendo as demais partes responder no prazo de dez dias.
Depois o processo vai ao relator, para exame preliminar, contando-se, na falta de prazo específico mais dez dias.
Depois de ter procedido ao exame preliminar, o relator tem mais 15 dias para elaborar um projecto de acórdão. Só depois é que o processo vai aos juízes adjuntos para vista e à sessão de julgamento.
Neste caso estão ultrapassados todos os prazos legais e eu não consigo explicar ao meu cliente como é possível os juízes desrespeitarem as leis sem que nada lhes aconteça.
A lei é chocante. Mas mais chocante é a completa insensibilidade dos homens perante esse valor que chama liberdade.
A ideia que tenho, muito consolidada ao longo de mais de duas décadas de advocacia, é a de que os juízes não têm o mínimo respeito nem a mínima consideração por esse valor, sobretudo na fase da prisão preventiva.
Por isso entendo que devem ser pessoalmente responsabilizados sempre que se vier a confirmar que não tinha nenhum fundamento sério a decisão que ordenou a prisão.
Este é, quiçá, um dos sintomas mais gritantes da falência da justiça.

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