26 junho 2008

Bebedeiras e injustiças

Não resisto a citar um escrito do distinto advgado Gil Teixeira no Forlegis:

«Estou aqui a ler de rajada um acordeão da Relação de Lisboa e fiquei banzado. Um moço bebeu uns púcaros, e quando regressava ao doce lar montado na lata, pela calada da noite, os calados soldados da "gênêrê" não gostaram do assopro do bicho e levaram-no à barra do tribunal, tendo por isso sido "convidado" a passar três meses em hotel gracioso, e refeições incluidas, em boa companhia de outros moçoilos, quiçá para aprender a melhor soprar no balão. O moço, desgostoso, quis sindicar a primeira instância, e como é da praxe, visitou a oficina do advogado em cima da data limite do recurso. Acontece que a máquina de fotocópias do tribunal da primeira instância, andava com cólicas, ou aborrecida com tanto trabalho, e descuidou-se, quer dizer, no final de cada página da sentença, quiçá por dela discordar, borrou-as, quer dizer, espetou-lhes com umas tarjas pretas em cima, quiçá anunciando o luto do moço às noitadas nos próximos três meses, o que não é o caso, o moço trabalha num bar. As manchas que a magana da máquina de fotocópias botou na sentença, e que o bom do funcionário não conseguiu ver, apesar de atravessarem toda a parte inferior de todas as páginas, impedem a boa leitura da sentença numa parte essencial. Impota esclarecer que o moço não esteve presente na leittura da sentença. Coisa simples. Trata-se de solicitar ao juiz uma sentença em condições, sem luto, perdão sem tarjas, perdão legível. Embora esteja na recta final do prazo do recurso, ainda está em tempo de lhe ser entregue o documento idóneo que lhe permita sindicar a primeira instância, né?

Complicado. Afinal a sentença, ilegível em partes fundamentais, é uma mera irregularidade e como tal o moço devia tê-la arguido três dias depois de ter recebido a sentença. O moço, além de bêbedo é burro, desconhece o que é uma irregularidade processual penal, e devia que embora estivesse em prazo para recorrer, isso de nada vale face ao prazo da irregularidade processual.

Bem, todos ficamos a saber que uma sentença ilegível, ainda que parcialmente, mas em partes fundamentais, é uma mera irregularidade, e cujo prazo se sobrepõe ao do recurso. Toda esta confusão, e charada, a propósito duma simples fotocópia com as marcas do luto, e teria sido tão simples, num país normal, e democrático, enviar ao moço uma fotocopia normal para este exercer, querendo, o seu direito constitucional do recurso. Face a tudo, pergunto, o direito processual penal já foi a enterrar? Os cidadãos não terão direito a ter uma sentença legível, que corresponde a uma não-sentença? Os cidadãos podem ser condenados sem sentença? Os cidadãos já não podem recorrer dentro do prazo consignado na lei? Os cidadãos têm de saber o que é, se o fosse, uma irregularidade processual? O cidadão se decidir recorrer decorridos três dias depois de receber a sentença está morto? Bem, se assim for, ainda bem que recebeu, premonitoramente, uma sentença tarjada a preto!
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