Fui educado - há já muitos anos - no princípio de que a advocacia é uma profissão absolutamente solidária. Os advogados estavam como que obrigados a defender toda a gente que carecesse da sua ajuda e, como também têm o direito de sobreviver, encontrou-se um meio termo, que fazia conviver essa obrigação com uma outra do Estado, que assumia, por seu lado a de lhes pagar uns trocos sempre que um juiz os nomeassem defensores oficiosos.
Há, em tudo isto, sobretudo à distância, alguns aspectos ridículos...
Num belo dia, ainda eu repartia a advocacia com o jornalismo, saiu-me na rifa a nomeação para defender um sujeito envolvido numa história criminal fantástica. Em vésperas de Natal, ele, um rapaz de vinte e poucos anos, sem pai nem mãe, tinha roubado a carteira de um cobrador de uma empresa pública que já não recordo, para fazer a consoada dos seus nove filhos.
Nove filhos? - perguntei eu. De quantas mulheres. E ele lá me explicou que não eram filhos mas garotos da rua, como ele fora, abandonados ao destino, que ele tratava como se filhos fossem.
Uma história fantástica, com um recorte humano extraordinário, a exigir uma especialíssima ponderação, porque era Natal e todos temos responsabilidade na construção da envolvente natalícia e, sobretudo, da dicotomia que o próprio Natal gera.
Vi o homem, falei com ele, pedi que me desse o nome de pessoas que o conhecessem, falei com elas. Preparei tudo para o «sacar», para que ele pudesse passar o Natal com os tais miúdos.
O juiz que nos atendeu estava com pressa e perguntou-me, porque eu insistia em questionamentos, «o Dr. não é oficioso, porque é que se está a esforçar tanto», ao que lhe respondi, pirosamente, que «é o meu dever».
No fim da diligência ele ordenou a soltura do réu, com a obrigação de se apresentar semanalmente numa esquadra de polícia.
Ainda foi naquele edificio da Gomes Freire, onde está a Policia Judiciária e onde funcionou, durante anos o Tribunal de Instrução Criminal.
Já tinha saido toda a gente quando saimos - e eram muitos. Porque os advogados e os estagiários se limitavam a dizer o velho «peço justiça» como se a justiça se pudesse pedir, em jeito de esmola para terceiro.
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