29 janeiro 2009

O massacre de José Sócrates

O país assiste serenamente ao massacre político de José Sócrates. O modelo adoptado usa a mesma metodologia que serviu para justificar a invasão do Iraque.
No caso iraquiano, o desgaste da imagem de Saddam Hussein foi feito por via de um sofisticado processo de comunicação cujo axe principal era a suspeita de armas de destruição maciça. De nada valeu à contra-propaganda iraquiana tentar difundir a ideia de que o Iraque de Saddam havia sido, em boa parte construido pelos Estados Unidos e pela sua ideologia.
No massacre de Sócrates, assistimos à retoma do «caso Freeport», que já andara nas primeiras páginas dos jornais em Fevereiro de 2005, menos de umas três semanas antes da vitória do PS nas legislativas. Tudo indica que estamos perante uma campanha preparada por uma mão invisível para destruir politicamente o primeiro-ministro.
Tudo começou, como sempre, de forma cautelosa, indicando membros do governo em abstracto, sem referir nomes. Todos os dias os media são enriquecidos com elementos novos. E hoje todos os títulos apontam ideias que colocam o primeiro-ministro sob suspeita.
Nesta quinta feira, a fotografia de José Sócrates está nas capas das principais revistas e nas primeiras páginas de todos os jornais.
A «Sábado» titula «Toda a História das Suspeitas Sobre Sócrates».
A «Visão», depois do antetítulo «Lista de supeitos» escreve na manchete «Polícia Inglesa Insiste em Sócrates».
O «Diário de Notícias» publica uma fotografia a toda a largura da primeira página, titulando «Ingleses baseiam em DVD suspeitas sobre Sócrates».
A Procuradoria Geral da República emitiu, entretanto, um comunicado que, em vez de reduzir os efeitos negativos do processo comunicacional, os agrava.
Diz assim:
«A Procuradoria-Geral da República/Departamento Central de Investigação e Acção Penal, face ao alarme social causado pelas notícias vindas a público e relativas ao chamado “Caso Freeport”, ao abrigo do disposto no artigo 86º n.º 13, alínea b), do Código de Processo Penal, esclarece o seguinte:
1º - O processo relativo ao “Caso Freeport” encontra-se a ser investigado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal desde Setembro de 2008, estando neste momento a ser efectuadas perícias pelo Departamento competente da Polícia Judiciária sobre diversos fluxos bancários e a serem realizadas diligências várias, consideradas essenciais para a descoberta da verdade, pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal.
2º - Tais diligências foram consideradas prioritárias e a elas serão afectados todos os meios considerados necessários.
3º - Serão seguidas quaisquer pistas consideradas com interesse, analisados todos os fluxos bancários e inquiridas todas as pessoas ligadas ao caso, realizando-se as diligências tidas como necessárias para a descoberta da verdade.
4º - Não foram recolhidos até este momento indícios que permitam levar à constituição de arguido de quem quer que seja.
5º - Logo que a Lei Portuguesa o consinta será dado conhecimento público das diligências efectuadas, desde que o processo se iniciou em 2004, com uma carta anónima recebida na Polícia Judiciária de Setúbal.
6º - A carta rogatória inglesa agora divulgada pela Comunicação Social, foi recebida no Departamento Central de Investigação e Acção Penal em 19 de Janeiro do corrente ano e irá ser cumprida, de acordo com a Convenção sobre a Cooperação Internacional em Matéria Penal, como tem acontecido durante a investigação.
7º - Os alegados factos que a Polícia inglesa utiliza para colocar sob investigação cidadãos portugueses são aqueles que lhe foram transmitidos em 2005 com base numa denúncia anónima, numa fase embrionária da investigação, contendo hipóteses que até hoje não foi possível confirmar, pelo que não há suspeitas fundadas.
8º - A carta rogatória inglesa não contém nenhum facto juridicamente relevante que acresça aos factos conhecidos e investigados pelas autoridades portuguesas, nem contém nenhum elemento probatório considerado válido e que justifique uma alteração da posição tomada nos comunicados anteriores.
9º - Ninguém está acima da lei, mas nenhum cidadão português pode ser considerado arguido, nem sequer suspeito, unicamente porque a polícia de outro país o coloca sob investigação com base em hipóteses levantadas e não confirmadas e que servem somente para justificar um pedido de colaboração.»
Uma coisa é a PGR dizer que, de um ponto de vista formal, não há fundamentos para, de um ponto de vista jurídico, considerar Sócrates como arguido ou suspeito; outra coisa é a catalização das suspeitas na opinião pública.
E só quem não quer ver é que não vê que José Sócrates, mesmo que não haja nenhuma fundamento, foi colocado sobre suspeita.
Dispõe o artº 180º do Código Penal que «quem (...) imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular um juizo ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir tal imputação ou juizo, é punido com prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias».
A lei considera que a conduta não é punível quando a imputação seja feita para realizar interesses legítimos ou o agente provar a verdade das imputações ou que tinha fundamento sério para acreditar em tal verdade.
A história desse normativo é profundamente marcada pelo conflito entre o direito à honra e o direito dos cidadãos à informação, de que é instrumento principal o direito a informar, de que são titulares os jornalistas.
Há muitos anos que penso que o normativo do artº 180º, 1 e 2 do Código Penal não resolve de forma minimamente satisfatória os problemas das vítimas dos processos de manipulação associados à gestão do segredo de justiça.
Por isso mesmo, penso que é excelente que possamos assistir a massacres como aquele a que está a ser sujeito José Sócrates, pois que eles põem a nu a deficiência do sistema para resolver os problemas das pessoas.
Se isto continuar e Sócrates continuar a resistir, como vem resistindo heroica e pateticamente, dando tiros nos pés todos os dias, ele não resistirá ao stress que os processos mediáticos bem construidos inevitavelmente provocam. E poderá perder as eleições vencido pelo cansaço e pelo desvio de atenções que esta manipulação de dados induz.
Há dois vícios essenciais neste tipo de processos.
O primeiro é o da sua total falta de transparência que decorre directamente da existência de um segredo de justiça que impede a imprensa de investigar e a obriga a fazer eco do que os gestores do segredo lhe entregam por medida.
O outro reside na absoluta impossibilidade de os suspeitos se defenderem, exercendo um direito subjectivo a informar, que, estando embora constitucionalmente garantido, não tem nenhuma hipótese de concretização prática.
Apesar de o desenvolvimento do sistema mediático ter construido novas realidades, que assumem aspectos dramáticos como o deste massacre, a verdade é que a lei processual penal retrocedeu, no plano da defesa da honra das vítimas, a niveis de garantia que são inferiores ao dos tempos do fascismo.
O Código de Processo Penal de 1929 continha um preceito que, a ter desenvolvimento coerente com a evolução dos tempos, poderia solucionar muitos destes problemas: o artº 252º permitia que os suspeitos pudessem requerer ao tribunal que os interrogasse como arguidos, o que lhes permitia, muitas vezes, acabar com as suspeitas.
Nos tempos que correm, o mínimo exigível é que se alterem as leis em termos que permitam, a quem for colocado numa posição de suspeito, não só responder a todos os elementos em que se funda a suspeita como responsabilizar os autores da mesma, sempre que ela seja infundada.
Para que se afirme uma suspeita é indispensável que haja factos concretos que a fundamentem, sob pena de os próprios agentes da investigação violarem os mesmos valores que informam as normas protectoras do direito à honra.
O pai de toda este cenário é o famigerado segredo de justiça, que serve apenas para justificar a incompetência e a falta de coragem dos operadores policiais e judiciários, incapazes de aceitar uma discussão leal, aberta e com igualdade de armas com as vítimas dos procedimentos.
Sem acesso aos factos e às fontes, os jornalistas não podem, obviamente, informar o público, para além dos dados que lhe são fornecidos, de forma filtrada, de acordo com critérios de oportunidade, pelos guardiões do dito segredo.
E não podendo sonegar informação à sociedade, não podem deixar de publicar o que, de forma (sempre manipulada) lhes é facultado.
Assistimos a isto há anos, em diversas dimensões. E não aconteceu nada.
Foi com este método que assassinaram politicamente Edmundo Pedro, Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues e uma lista infinita de cidadãos anónimos, alguns dos quais não resistiram à tentação do suicídio.
Do andar da carruagem se vê que José Sócrates terá muito reduzidas possibilidades de sobreviver, porque, desta vez há indícios de que tudo foi muito melhor planificado. Faltam alguns meses para as eleições legislativas e o desgaste que se antevê poderá ser fatal para Sócrates e para o Partido Socialista.
Sócrates só tem uma hipótese de sobrevivência, enquanto governa com uma maioria: passar ao ataque e atacar o mal pela raiz.
Precisamos de uma lei que garanta a toda a pessoa sobre quem for lançada uma suspeita pública o direito de requerer a sua constituição como arguido, o acesso a todos os elementos em que se funda a suspeita e a possibilidade de contraditório de todos esses elementos, de forma transparente e preferencialmente em audiência pública.
É indispensável compreeender o funcionamento dos processos mediáticos e entender que a única forma de combater a manipulação é a de garantir a total transparência, sem a qual não é possivel elevar a responsabilidade dos próprios jornalistas ao mais alto nivel.
José Sócrates, se quiser sobreviver, tem que pensar mais nos outros do que em si e exercer o poder em termos que abram perspectivas a todas as vítimas de processos semelhantes.
De outro modo será destruido pelo sistema, num caso de que só se conhece a ponta do iceberg.
Seria muito importante que se apurasse de onde vieram estas informações e quem as veiculou para a comunicação social.
Igualmente importante é que se analise o quadro de interesses que move a Carlyle, como controladora do Free Port, quem são as pessoas que nela decidem e operam e o que pensam de tudo isto.
Há papeis que não são da Justiça e há papeis que são da comunicação social, sendo certo que neste plano que abordamos, não haverá nunca justiça se a comunicação social não cumprir o seu papel e não for mais longe e mais rápido que as instituições policiais e judiciárias.
Fortemente participada pelo altos dirigentes da CIA, por pessoas do clan Bush e por personalidades britânicas de relevo, como é o caso do ex-premier John Major, é um protagonista que merece atenção.
Tudo gente que sabe muito de gestão de informação.

1 comentário:

Afroluso disse...

Sobre a Carlyle...

Julgo que também fará parte desse clan o famoso ex-MNE Martins da Cruz, que ficou conhecido como "Martins da Cunha".
este cavalheiro aderiu ao PSD no tempo do Menezes mas depois saiu de cena. estará com a sua carreira diplomática suspensa por licença de longa duração?
Gabava-se em tempos de "ser bom gestor de informação" quando foi assessor diplomático do "premier" Cavaco Silva...