24 julho 2006

23 de Julho de 2006

Mal cheguei a Fortaleza, depois de um fim de semana passado no interior do Ceará, encontrei um colega brasileiro que me disse, muito chocado, que o «tribunal da OAP» tinha impedido o Bastonário José Miguel Júdice de se defender, tendo os juizes abandonado a sala e deixado o conhecido advogado a falar sozinho.
Como soube disso? - perguntei-lhe. Respondeu-me que ouviu a notíca numa estação de rádio cearense.
Mal cheguei a casa abri o site da Ordem e lá encontrei este estranho comunicado do Conselho Superiro da Ordem dos Advogados, datado de 21 de Julho:


«O Conselho Superior da Ordem dos Advogados vem comunicar o seguinte:
1. Realizou-se hoje a audiência pública de julgamento único dos dois processos disciplinares apensos instaurados ao Bastonário José Miguel Júdice.
2. Nos termos expressos do art.156º, nº6, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº15/2005, de 26 de Janeiro, que aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados, posteriormente à leitura do relatório final é dada a palavra ao arguido ou aos respectivos mandatários para alegações orais, por período não superior a 30 minutos.
3. O Presidente do Conselho Superior perguntou aos mandatários do Bastonário José Miguel Júdice se alegavam eles ou o arguido, tendo aqueles deferido a alegação ao Bastonário José Miguel Júdice. O Presidente do Conselho Superior advertiu o Bastonário José Miguel Júdice do limite legal de tempo para a alegação, que o último, aliás, não podia deixar de conhecer.
4. Decorridos trinta minutos, o Presidente do Conselho Superior perguntou ao arguido se este podia concluir em mais dez minutos. O Bastonário José Miguel Júdice respondeu dizendo que falaria o tempo que quisesse e que continuaria no uso da palavra mesmo que o Conselho não autorizasse e saísse.
5. Em face do comportamento do arguido o Presidente do Conselho Superior declarou encerrada a audiência pelas quinze horas e cinquenta minutos.
6. Cerca das dezoito horas e dez minutos, a distinta mandatária do arguido deslocou-se à sala onde está reunido o plenário do Conselho Superior, solicitando que recebesse o texto escrito preparado pela defesa como base da alegação oral – o que o Conselho fez . »
Não quero crer no que leio e que só vem confirmar a tese, que defendo há muito tempo, de que as instituições não devem conter adjectivos que não seja meramente qualificativos, sendo, ao invés, classificativos.
Não faz nenhum sentido que tenhamos um Conselho Superior da Magistratura ou um Conselho Superior do Ministério Público.
Como não faz nenhum sentido que haja um Conselho Superior da Ordem dos Advogados.
A superioridade não depende das denominações legais, mas da prática das entidades, que afectam positiva ou negativamente as instituições que as mesmas devem servir.
E muito mau o que leio neste comunicado.
Mais do que mau, é sinistro.
Em vez de reparar, por via da tolerância, um erro crasso, que é o da limitação a 30 minutos do tempo de alegações, é o próprio Conselho Superior da Ordem a impôr a sua aplicação de forma positivista radical.
Que podem os cidadãos esperar de uma Ordem dos Advogados que limita o exercício do direito de defesa aos seus próprios membros mais ilustres?
Acaso a defesa num processo disciplinar como este, em que é arguido José Miguel Júdice, por delito de opinião, pode ter o mesmo metro que a defesa num outro processo de extrema simplicidade.
Os 30 minutos podem ser muito para uns processos e pouco para outros.
Também no processo civil e no processo penal há limites temporais. Mas, a caminho das três décadas de advocacia, nunca assisti a um juiz retirar a palavra a um advogado, por ter excedido o tempo processualmente previsto.
O que ocorreu neste processo e que conheço apenas pelo recorte do comunicado atrás reproduzido é ainda mais grave quando estamos no plano dos delitos de opinião.
É para mim mais do que duvidoso que a Ordem dos Advogados tenha legitimidade para questionar a opinião emitida por qualquer advogado, no uso da liberdade de expressão que lhe está constitucionalmente garantida.
Por mim não aceito nem nunca aceitarei que esta Ordem ou qualquer outra me diga o que posso pensar e o que não posso pensar.
Pena que o Conselho Superior se tenha portado com tamanho complexo de superioridade.
Vai-nos prejudicar a todos e vai prejudicar, seriamente, o exercício da advocacia.
Fica legitimada, com esta atitude, a intolerância processual já assumida por muitos magistrados.
Se o nosso Conselho faz isto a um dos advogados mais ilustres, que podemos esperar dos juizes?

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