Chegou-me a meio da manhã (11 horas em Fortaleza e 15 horas em Lisboa) o comunicado que José Miguel Júdice enviou à Ordem dos Advogados para publicação no site.
Fui ver se tinha sido publicado, mas nada estava lá, apesar de o comunicado ser datado do dia 22 de Julho.
É incrivel... Não dá para acreditar.
Passadas umas horas, finalmente, com dois dias de atraso, o comunicado estava publicado no site da Ordem (www.oa.pt).
É um documento imprescindível para perceber o sentido e a dimensão da crise.
COMUNICADO DE JOSÉ MIGUEL JÚDICE
O Conselho Superior da Ordem dos Advogados entendeu emitir um comunicado sobre a triste ocorrência que teve lugar no meu julgamento público. Como infelizmente vem sendo hábito no que é dito ou escrito em tal órgão, que devia ser exemplar de rigor, não é rigoroso o que é escrito.
Sou, por isso, obrigado a esclarecer:
Pedi antecipado acesso ao Relatório Final a que se refere o nº5 do artigo 156º do Estatuto. A lei não obriga a que o arguido dele tenha conhecimento antes da audiência final, mas o princípio da igualdade de armas – se não a mera cortesia – devia permitir que isso fosse deferido, até porque o Relatório Final estava elaborado desde Maio de 2006, visto que a audiência fora então adiada na véspera.
Foi indeferida a minha pretensão. Por isso não tive qualquer hipótese de tempestivamente adequar as alegações finais a tal Relatório Final
Não desconheço o teor do nº6 do artigo 156 e o prazo de 30 minutos aí mencionado. Mas também não desconheço que nunca na Ordem dos Advogados um orgão deontológico aplicou tal artigo (ou o artigo 131, nº6 do anterior Estatuto), impedindo um Advogado ou um Arguido de falar para lá desse limite temporal.
E, em mais de 30 anos de prática de advocacia nos tribunais, nunca um Magistrado me obrigou a calar-me com fundamento no decurso de prazo desse tipo. Nunca aliás nenhum Magistrado fez mais do que, polidamente, perguntar-me se ainda precisava de muito tempo, quando o prazo previsto já estava há muito ultrapassado. Muitos Colegas, depois da triste ocorrência da passada sexta-feira, me disseram que a experiência que podem mostrar em relação aos tribunais portugueses é idêntica à minha.
Em processos complexos, a generalidade dos Magistrados portugueses acorda com os Advogados o tempo de alegações, para que tudo corra com correcção e rigor. Essa é a minha experiência e uma das razões porque quero aqui prestar uma homenagem aos Juízes Portugueses pelo gritante contraste em relação aos Julgadores do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, na forma como tratam Advogados.
O Conselho Superior e o seu Presidente não entenderam contactar-me nem a mim nem aos meus Advogados, previamente à audiência, para acordar o tempo das alegações ou, ao menos, para nos alertar que iria aplicar o normativo legal contra a jurisprudência liberal da Ordem dos Advogados.
O Relatório Final, ainda que resumido, demorou mais de três horas e meia a ser lido. E em tal Relatório – ilegalmente – o Exmo Relator, em relação ao primeiro dos processos, deu como provados e comentou factos que não constavam da acusação e sobre os quais, como é evidente, eu não pudera apresentar qualquer defesa. E concluiu propondo o arquivamento de tal processo e a minha absolvição, por entender que eu agira sem consciência de ilicitude e com “falta de recta consciência ética”.
Quanto mais não fosse por isso, entendo que deveria ter pelo menos o direito a falar três horas e meia. Não existe realmente no Estatuto da Ordem dos Advogados nenhum artigo a afirmar o princípio da igualdade de armas. Sempre pensei que era uma inútil redundância. A triste ocorrência da passada sexta-feira justifica que passe a constar. Irei brevemente propor tal alteração estatutária ao Conselho Geral.
O Sr. Presidente do Conselho Superior só me informou de que não poderia falar mais de 30 minutos quando eu iniciava as minhas alegações, e fê-lo de modo que não admitia outra hipótese. Não me perguntou de quanto tempo eu necessitava para alegar, nem procurou encontrar um ponto de equilíbrio, ainda que inferior às 3 horas e meia que manifestamente devia ser o mínimo. Impôs apenas, no exercício de poderes de autoridade de que abusou.
O Sr. Presidente do Conselho Superior – apesar de eu estar acusado em dois processos disciplinares autónomos que apenas foram apensados – não respeitou sequer o princípio mínimo de me permitir falar por dois períodos sucessivos de 30 minutos.
Ao chegar ao fim o período de 30 minutos, perguntou-me se eu precisava de mais 10 minutos. Mais uma vez tal período adicional foi apresentado sem qualquer tentativa prévia de encontrar uma solução equilibrada e passível de ser consensualizada, como expressão de poderes de autoridade.
Confrontado com a minha recusa em acatar esta determinação, sem que ele tivesse feito qualquer tentativa de encontrar uma solução consensual, sem ouvir o Conselho Superior, o Sr. Presidente do Conselho Superior levantou-se, enquanto eu estava a falar, e ausentou-se da sala. Nas caras de muitos membros do Conselho Superior vi o que lhes ia na alma. E atrevo-me a afirmar que – apesar de em relação a muitos deles ter razões de queixa e de agravo – a maioria, se fosse perguntada, teria dito que me deveria ser dado o direito de falar o tempo que quisesse, mas pelo menos 3 horas e meia.
Pela primeira vez na História da Ordem dos Advogados e, tenho a certeza também, na História da Justiça Portuguesa, um Tribunal abandona a sala em que um arguido estava a ser julgado.
O que tudo isto demonstra é a sabedoria de quem um dia disse – para se ir tornando património comum da Humanidade – que ninguém deve ser Juiz em causa própria. Os Srs Drs Luis Laureano dos Santos e Alberto Jorge Silva, desonraram-se e desonraram o órgão de que fazem parte onde, ainda, há Advogados honrados e que sabem o que é direito de defesa.
Lisboa, 22 de Julho de 2006
José Miguel Júdice
(Bastonário da Ordem dos Advogados e arguido nos processos disciplinares D/9/05 e D/4/06)
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