12 julho 2008

A grande entrevista de Marinho Pinto

O bastonário António Marinho não é homem de recusar combates e desafios.
No dia 10 de Julho deu uma grande entrevista a Judite de Sousa. Uma entrevista que ficará nos anais da advocacia portuguesa.
Com uma entrevistadora manifestamente parcial e comprometida, que o encarou como um inimigo público, Marinho não vacilou num único momento e disse, com uma extrema precisão coisas gravíssimas que ninguém tem a coragem de dizer em público.
Vale a pena ver a entrevista que está publicada no endereço mms que se publica a final.
A entrevistadora começou por apresentar Marinho como um homem contestado pelos magistrados, pelos advogados e pelos polícias, o que é, no mínimo, um exercício de mau jornalismo.
Ao longo de toda a entrevista procurou branquear e encobrir o mau funcionamento do sistema judiciário, como se fosse uma advogada do status quo.
Fazendo que não percebia o sentido da alusão aos agentes da PIDE, a entrevistadora perguntou a Marinho Pinto porque razão comparava os magistrados a agentes da PIDE. Pacientemente o bastonário explicou que há hoje um desrespeito generalizado perante a justiça porque alguns magistrados de portam nos tribunais como os agentes da PIDE no tempo do Estado Novo.
«Os agentes da PIDE estavam convencidos de que eram muito respeitados. Mas não: as pessoas tinham-lhes medo e por isso os cumprimentavam, faziam-lhes vénias».
A comparação é feliz e nada tem de ofensivo. Há alguns magistrados que até mudam de voz quando vestem a beca; e a postura que os cidadãos (e entre eles muitos advogados) perante eles não é de respeito; é de medo.
Nisso tem razão Marinho Pinto. Pena é que não se tenha voltado para dentro da Ordem e considerado que essa cultura de medo é incrementada pela própria Ordem e por um sistema disciplinar que se transformou num cabide de emprego e num negócio para advogados que ganham dinheiro a montar processos contra os seus pares, aliás em condições da mais duvidosa legalidade.
Hoje, qualquer advogado sabe que se for um pouco mais forte na defesa leva um processo disciplinar; e depois lá tem os abutres dos conselhos disciplinares, à espera de ganhar uns tostões com a castração de quem tem coragem.
Uns miseráveis, que deveriam ser expulsos da Ordem, por perverterem completamente os valores que enformam.
Hoje não há medo apenas dos juizes; há medo também desses abutres e há um profundo desrespeito pelos conselhos de deontologia, que se demitem das suas obrigações, apesar de os seus membros serem eleitos.
Tenho que aplaudir as palavras de Marinho Pinto, lastimando apenas que ele ficasse muito longe daquilo a que deveria ter chegado. Se a Ordem não tivesse desenvolvido, ao longo dos últimos anos uma cultura de respeito subserviente pelos magistrados não teriamos chegado à situação miserável a que chegamos.
Se a Ordem não tivesse desenvolvido, ao longo dos últimos anos, em sentido contrário ao que decorre da Constituição, uma cultura proibicionista da critica que a Justiça merece não teriamos chegado à pouca vergonha a que chegamos, nomeadamente nos tribunais de recurso, completamente omissivos quando o advogado se esforça.
É gravissima a questão colocada por Judite de Sousa nestes termos: «O Sr. Dr. não acha que a comparação é excessiva» (...) e capaz de ofender de forma grave os magistrados?
O que vem a ser isto? Um convite à censura, em prime-time? Chegamos ao tempo das opiniões excessivas, ou pretenderá Judite de Sousa que a comparemos alguns jornalistas do tempo do fascismo?
Que terrivel ofensa à Democracia esta de uma jornalista de uma grande televisão insinuar que pode haver excessos em termos de opinião.
A opinião é livre e só se combate com outra opinião igualmente livre... Lastimavelmente ainda há quem não tenha percebido isto.
Marinho Pinto desfiou exemplos incomodativos, falou de dois livros com dezenas de casos de atrocidades, com a jornalista mais preocupada em o conter ou em o achincalhar do que em construir um diálogo seremo que teria levado o bastonário a ir mais longe.
Criticou o sindicalismo no judiciário e denunciou o facto de o Parlamento ter nomeado para o Conselho Superior da Magistratura o advogado do sindicato dos magistrados do Ministério Público. Com a maior insensibilidade, Judite replicou que isso era um problema da Assembleia da República, quando é um problema de todos nós.
Resposta brilhante ao desafio para um debate com o presidente do Sindicato dos Juizes. O bastonário da Ordem dos Advogados não pode discutir com sindicatos. Aceita discutir com o Conselho Superior da Magistratura, mas não com o sindicato, porque a função dos sindicatos é reclamar mais dinheiro e menos trabalho.
«Todos os dias recebo queixas de cidadãos relatando-me verdadeiras atrocidades»- disse Marinho. Todos nós sabemos disso e sabemos que não é de hoje. Aliás, no bastonato de José Miguel Júdice foi até montada uma «galeria de horrores»... Mas tudo ficou por aí.
Falou depois da promiscuidade entre o Ministério Público e a Magistratura Judicial, com Judite de Sousa a tentar humilhá-lo e desvalorizá-lo, acusando-o de uma cruzada.
«Os juizes para os quais se recorre são sócios do mesmo sindicato dos juizes recorridos» - alegou Marinho Pinto, para sustentar a falta de credibilidade dos recursos.
Os policias são para estar na rua - disse ainda Marinho Pinto. E estão em gabinetes... Judite sugeriu que... agora ele bastonário. Ao que Marinho Pinto ripostou que não se cala, porque a sua função é criticar o que está mal.
Judite pergunta a seguir: «O Sr. Dr. não tem medo de ser processado por essas afirmações?». E resonde ele: «processem-me que eu tenho os factos todos».
Neste passo da entrevista sentimos a razão da referência à PIDE. Este país volta a estar cheio de medo; e se um homem como Marinho Pinto fala mais alto recebe logo apelos à contenção.
Sindicalismo dos magistrados, regalias dos magistrados, isenções de impostos, desigualdades, com Judite de Sousa a perguntar-lhe se isso não era populismo, ou seja recorrendo ao adjectivo para lhe abafar a mensagem.
Miséria de jornalismo esta... Um vergonha, com manifesta ofensa de valores estruturantes do jornalismo.
O entrevistador deve fazer perguntas e não extrair conclusões ou assentar perguntas em conclusões facticas não apuradas.
«Não fazendo os estagiários as oficiosas quem as vai fazer»? - perguntou Judite de Sousa. Respondeu Marinho que seriam «os advogados». Mas parece que a loira não percebeu que há uma diferença entre um estagiário e um advogado.
Implicitamente Judite de Sousa tomou a posição da defesa do exercício do patrocinio pelos estagiários. Marinho respondeu-lhe perguntando se gostava de ser operada por um estagiário de cirurgia.
O bastonário disse - julgo que pela primeira vez - uma coisa que ando a dizer há anos: que há grandes interesses de alguns colegas no negócio da formação. «Este mercantilismo envergonha-me»...
Quando veio da CEE dinheiro para a formação, a Ordem mudou o modelo de estágio, passando a dar aulas aos estagiários, para os seus dirigentes ganharem dinheiro. Foi assim, com esta crueza que Marinho disse a verdade que muita gente não quer ouvir. Aliás, só quem pouco trabalho é que tem tempo para dar aulas ou para entrar nesse mercantilismo, aliás sem nenhum controlo de qualidade.
Muito importante esta entrevista. Em coerência com ela, Marinho vai ter que mexer em muita coisa...

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